Como a essa altura todo mundo já sabe, o prefeito Nelson Marchezan Júnior destituiu o vereador Cláudio Janta (Solidariedade) da liderança do governo na Câmara de Porto Alegre. A medida, ainda que drástica, não surge exatamente sem razão: Janta havia deixado muito clara sua discordância quanto a projetos encaminhados ao Legislativo municipal, em especial os que modificam ou extinguem benefícios no transporte coletivo da Capital, e chegou a ingressar na Justiça com uma ação para tentar impedir o fim da segunda passagem gratuita nos ônibus. Em uma posição de representar os projetos do Executivo em meio aos vereadores, Janta insistia em enfrentar o prefeito em alguns deles, e foi essa insistência que levou ao seu afastamento.
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O problema é que a mudança nos primeiros escalões do governo Marchezan está longe de ser uma novidade. Já são muitos os nomes fortes que pedem afastamento ou são afastados por Marchezan, incluindo o então braço-direito Kevin Krieger e o secretário Ricardo Gomes. No segundo escalão, as desistências contam-se às dezenas. Reforça-se, a partir dessas mudanças todas e de conversas dos bastidores da política, a imagem de um prefeito de trato difícil, intransigente em suas ideias, pouco ou nada disposto a ouvir outras opiniões – algo que, diga-se, é traído até em seus comentários sobre a imprensa gaúcha e sua “mania de ouvir todos os lados“, segundo ele.
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Nesse cenário, demitir Cláudio Janta da liderança do governo é um erro estratégico flagrante, quase infantil da parte de Marchezan.
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Gostem ou não do vereador, o fato é que Janta é um político experiente e que entende como poucos o estado de coisas na Câmara de Porto Alegre. Sabe que as recentes posições de Marchezan, chegando ao ponto de dar um puxão de orelhas público em seus próprios apoiadores, geram uma fissura crescente em sua base. Foi firme na discordância, mas nunca partiu para o ataque direto e chegou a dizer que “implorava” ao prefeito que repensasse sua posição.
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Se enfrentou Marchezan (e sem dúvida o fez) não foi por capricho: foi para marcar posição e, acima de tudo, para dar um recado.
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“Debreia, prefeito. Isso não passa. Converse mais com a gente”. Eis o que se pode ler, sem muito esforço, nas entrelinhas do que Janta dizia. Um recado, transmitido do jeito que se dá recado na política: na tribuna, diante das câmeras e da opinião pública.
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Mas a leitura política de Marchezan não pega sutilezas. Recentemente, o ex-vereador João Antônio Dib, que passou quatro décadas na Câmara, criticou de forma razoavelmente polida a possível privatização do Dmae e os ataques ao funcionalismo municipal. Como Janta, dava um recado nas entrelinhas. “Debreia, prefeito. Isso não vai passar. Converse mais com a gente”. Marchezan não deu ouvidos. Para ele, a política parece ser não mais do que uma linha reta: um apoio é um apoio, uma afronta é uma afronta, e nada além. Incapaz de entender mensagens, queima os mensageiros, ou os desgasta ao ponto de simplesmente desistirem de seguir a seu lado.
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Sem Janta à frente, a base de Marchezan corre riscos cada vez maiores de esfarelar. Moisés Maluco do Bem pode ser leal, mas é um recém-chegado, eleito como suplente e sem o traquejo para a difícil costura necessária para que a situação não se desfaça em farrapos na primeira votação mais espinhosa. E, mesmo caindo em ouvidos moucos, o recado segue posto: há coisas que não passam. Não basta o prefeito querer.
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Marchezan vai inviabilizando a si mesmo, na medida em que todos a seu redor entendem que a aliança será sempre uma via de mão única, onde a prefeitura nunca vai ceder.
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Nenhum vereador vai comprometer uma base eleitoral de décadas em nome de uma aliança nesses termos, menos ainda por projetos impopulares e de alto custo político. Mais de uma pessoa já tentou dizer isso a Marchezan – alguém que, diga-se, vem de uma história parlamentar e deveria estar sensível a esse tipo de situação. A proximidade com o MBL e as movimentações populistas nas redes sociais podem manter o eleitorado cativo de Marchezan a seu lado, mas terão pouca valia quando o governo municipal travar na Câmara de vez. Uma tendência quase inevitável, a julgar pela postura que Marchezan tem adotado nessa relação.
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Foto: Ricardo Giusti / PMPA
