Raquel Grabauska

A criança no trem

Raquel Grabauska
7 de julho de 2023

Fazia muito tempo que não andava no trem. Remete a minha infância. Quando o Trensurb foi inaugurado, em 1985, meu pai me levou para passear. Anos depois, virou meu transporte até o colégio. Saía de Canoas, descia na rodoviária de Porto Alegre e caminhava até a UFRGS. É um lugar que mexe em lembranças.

Em cada estação entra uma pessoa diferente, vendendo itens diferentes. E claro que lembrei também – tô propensa a lembranças hoje –  da minha mãe. Quando meu pai morreu, ela passou a sustentar a gente vendendo salgados. Fazia um monte, enchia as sacolas e carregava aquele peso imenso. E no outro dia, tudo de novo.

Orgulho dessa mulher, saudade gigante. E, talvez por isso, cada vez que vejo alguém vendendo algo, desejo ter dinheiro para comprar. Aprendi a segurar o ímpeto, mas ainda não consegui modificar o sentimento.

Depois de passar um estudante universitário vendendo carregador de celular, um homem vendendo descascador de verduras lançado pela Ana Maria Braga, outro com bolinhas saltitantes e outros que tentei não olhar, chegou uma senhora bem idosa com uma caixinha de torrone na mão. Caminhava com um passinho calculado, cuidando para andar no momento certo, de acordo com o balanço do trem. 

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Justo hoje, só tenho 50 centavos. O torrone custa um real

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Aquele sentimento veio intenso e eu só pensava que queria ter os 20 reais que me dariam o direito de ter aqueles torrones todos. Daí pensei na minha pretensão e na imaturidade por não ter conseguido superar a infância, ainda.  

Alguém perguntou algo e ela: só tem mais seis. Nisso, um senhor perguntou se tinha sabor cebola. Ela deu alguns passinhos para perto dele, tentando entender, e ele repetiu, perguntou se tinha sabor cebola. Ela respondeu pacientemente que não. “É um delicioso torrone, feito de amendoinzinho. Só tem mais seis.” E ficou parada. Ele riu, se achando engraçadíssimo. Ela deu mais alguns passinhos e uma mulher se aproximou e comprou os seis que faltavam. 

Eu deixei de acompanhar os passinhos dela pra ficar olhar pra o idiota da cebola. A cebola me fez chorar. Disfarcei no trem em que eu voltei a ser criança.  

Imagem de Harald Meyer-Kirk por Pixabay