Voos Literários

O príncipe e o plebeu

Flávia Cunha
15 de novembro de 2019

Nesta sexta-feira, chegamos a 130 anos do fim da monarquia no Brasil. E para o espanto republicano, cá estamos nós vendo um “príncipe” brasileiro em destaque nos noticiários.

A transição para a república, em 1889, ocorreu por meio de um golpe militar e temos um governo brasileiro no século 21 que dá poder e visibilidades aos militares. Conforme análise de historiadores, o Império só caiu no Brasil por problemas de Dom Pedro II com o próprio Exército e também por não ter se aliado à Igreja Católica. No Brasil de 2019, são os evangélicos que dão as cartas. Os conservadores da época do império temiam que uma mulher assumisse o poder depois da morte do imperador, já que ele não tinha herdeiros homens. No Brasil dos anos 2010, uma mulher presidente sofreu críticas misóginas à sua atuação na política, que passavam por ofender sua aparência, fato irrelevante para homens no governo. (Alguém acha o Bolsonaro bonito? Pois ele venceu do boa pinta Haddad, mostrando que beleza não é relevante para o sexo masculino na política brasileira. Já as mulheres, são consideradas “musas” ou “dragões” e esse fato é extremamente destacado pela mídia e redes sociais.)   

Mas voltemos ao autoproclamado “príncipe” –  afinal, não vivemos mais na monarquia. O presidente Bolsonaro comentou que Luiz Philippe de Orleans e Bragança, deputado federal pelo PSL de São Paulo e descendente da família imperial, é quem deveria ter sido o vice dele na chapa para as eleições de 2018. 

O que explica o fascínio de Bolsonaro por figuras da realeza?

Recentemente, o presidente brasileiro também fez elogios ao príncipe da Arábia Saudita, dizendo que todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe, principalmente as mulheres”. Qual seria o motivo desse deslumbramento com a realeza tantos anos depois da proclamação da República?

No livro As Barbas do Imperador, de Lilia Moritz Schwarcz, podemos ter uma ideia do que a realeza evoca no imaginário popular:

Transcendendo a figura humana do rei, as representações simbólicas do poder imperial evocavam elementos de ‘longa duração’ que associavam o soberano à ideia de justiça, ordem, paz e equilíbrio. […] Talvez seja essa a razão da pouca legitimidade inicial dos símbolos republicanos, em um país ainda atrelado à eficácia e à inserção alargada dos emblemas da realeza. O fato de os ícones da República mais bem-sucedidos — como o hino e a bandeira — estarem de alguma maneira ligados à simbologia monárquica evidencia não apenas o pequeno impacto da ‘invenção de tradições’ republicanas, como sobretudo a penetração de uma simbologia imperial, para além dos marcos políticos oficiais.”

Mesmo que Luiz Philippe de Orleans e Bragança não pertença ao ramo da família que assumiria o trono no remotíssimo caso do retorno da monarquia ao Brasil,  ele é um símbolo da família imperial e demonstra ter valores ultraconservadores e reacionários. Começou a se interessar por política ao se aliar ao movimento que atuou para tirar Dilma Rousseff da presidência da República. Trabalhou forte para a eleição de Bolsonaro e, pelo menos até agora, mantém-se leal ao presidente. 

Fica a pergunta: Dom Pedro II, que preferiu se manter afastado do Exército e dos religiosos durante seu reinado no Brasil, concordaria com as decisões políticas de seu descendente? 

 

 

Voos Literários

15 de  Novembro – O golpe da República

Flávia Cunha
13 de novembro de 2018

A coluna Voos Literários pediu para João de Los Santos, historiador e idealizador da Lumia – Consultoria e Pesquisa Histórica, uma indicação literária que explicasse o feriado da Proclamação da República. O especialista foi além. Fez uma análise da conjuntura da época, sem deixar de lado as comparações necessárias com o período atual. A leitura vale muito a pena!

“Quase todos sabem que nessa quinta-feira, dia 15 de Novembro, será feriado. A maioria das pessoas não vai trabalhar. Alguns afortunados irão aproveitar e fazer um ‘feriadão’. Mas, afinal, o que foi a Proclamação da República, comemorada nesta data?

Já na segunda etapa do Ensino Fundamental fomos ensinados que no dia 15 de Novembro de 1889 o Marechal Deodoro da Fonseca se dirigiu à praça da Aclamação, atual praça da República, no Rio de Janeiro, e num ato apoteótico declarou que a partir daquele momento o Brasil deixava de ser uma monarquia. Ao menos era assim que nos ensinavam, nas aulas de OSPB ou Moral e Cívica, disciplinas que caíram em desuso e hoje não seriam mais adequadas para a nossa realidade. Mas isso é assunto para outro texto.

Em prol do advento da modernidade, militares, apoiados por latifundiários descontentes com o fim da escravidão e outros setores progressistas da sociedade, resolveram que era preciso inovar. Para garantir a liberdade de participação política de todos os brasileiros, maior autonomia das províncias, entre outros itens tão bem expressos na tão admirada constituição (norte-americana).

.

Podemos afirmar que a “inauguração” do Estado brasileiro foi feita através de um golpe militar

.

Conduzido por Deodoro e complementado por Floriano, teve seu cerne também nas diversas revoltas ocorridas (Inconfidência Mineira, Confederação do Equador, Guerra dos Farrapos, entre outras), ou seja, a República era oriunda  da insatisfação contra o poder centralizador da monarquia. No entanto, o poder que emana do povo não foi clamado por ele. Os que passeavam na praça naquele dia não faziam ideia do que estava acontecendo. Ao contrário dos outros golpes que viriam acontecer no Brasil, a cada 30 ou 40 anos, na média, este não teve chamamento ou apoio da grande massa.  As grandes questões que deveriam ser resolvidas como inserção dos negros na sociedade, distribuição de terras para incremento da produção e incentivo à indústria nacional, não foram resolvidas na República Velha. Muitas dessas questões até hoje estão em aberto.

No feriado da coisa do povo, não veremos procissões; não veremos desfiles, espartanos ou dionisíacos; no máximo ouviremos: “Interrompemos nossas transmissões para o pronunciamento do Excelentíssimo Presidente da República…”

P.S.:  Este texto contém ironia e não é didático. Seguem duas sugestões de leitura se você quiser se aprofundar no tema.

Livros: Para iniciantes, 1889, do Laurentino Gomes, é uma boa pedida. Embora receba críticas por focar em termos mais burlescos ao invés de uma análise mais aprofundada da economia, é extremamente bem escrito. Agora, se o interesse for aprofundar no assunto a referência é A Formação das Almas: o Imaginário da República no Brasil, de José Murilo de Carvalho. A narrativa é mesclada com imagens de pinturas, ilustrações de revistas e monumentos, sendo que o autor utiliza-se destes recursos para compor um cenário da sociedade da época.”

Imagem:  Pintura Proclamação da República, de Benedito Calixto, de 1893 (Reprodução/Internet)