Voos Literários

“Bom mesmo era no meu tempo…”

Flávia Cunha
16 de abril de 2019

Mas é isso o que acontece. Uma vez encerrada a tragédia humana, cabe aos jornalistas banalizarem-na para convertê-la em entretenimento. Talvez porque todo aquele frenesi irracional tenha arrombado a porta da nossa casa e nenhum detalhe maledicente e distorcido dos jornais deixasse de chamar a minha atenção, acabei considerando a era McCarthy o início do triunfo da fofoca no pósguerra, a fofoca que se estabeleceu como o credo unificador da mais antiga república democrática do mundo. Na Fofoca Nós Acreditamos. Fofoca como o evangelho, a religião nacional. O macarthismo como o início da conversão não só da política séria mas de tudo o que é sério em entretenimento para distrair a massa. O macarthismo como a primeira florescência do vazio mental americano que agora está por toda parte.

O negócio de McCarthy, na verdade, nunca foi a perseguição de comunistas; se ninguém sabia, disse, ele sabia. A virtude dos julgamentos espetáculo da cruzada patriótica de McCarthy era simplesmente a sua forma teatralizada. Ter câmeras voltadas para aquilo apenas lhe conferia a falsa autenticidade da vida real. McCarthy compreendeu melhor do que qualquer político americano anterior a ele que as pessoas cujo trabalho era legislar podiam fazer muito mais em benefício de si mesmas se representassem um espetáculo; McCarthy compreendeu o valor de entretenimento da desgraça e aprendeu como alimentar as delícias da paranóia. Ele nos levou de volta a nossas origens, de volta ao século XVII e a nossos antepassados. Foi assim que o país começou: a desgraça moral como entretenimento público. McCarthy era um empresário dos espetáculos e, quanto mais desvairados os pontos de vista, tanto mais ofensivas as acusações, maior a desorientação e melhor a diversão para todo mundo. Os livres e corajosos de Joe McCarthy, este era o espetáculo em que meu irmão ia representar o papel mais importante da sua vida.”

Casei com um comunista – Phllip Roth

Vocês me desculpem a digressão pessoal que farei na coluna de hoje, mas é que o texto o de Philip Roth me inspirou um certo saudosismo, sabem?

Pra começar, posso dizer que bom mesmo era no meu tempo, em que o professor de história falava sobre Guerra Fria, socialismo e comunismo em sala de aula e ninguém acusava-o de ser doutrinador, estava só cumprindo o seu papel de ensinar o conteúdo aos alunos. Hoje em dia, esses moderninhos ficam querendo questionar o conhecimento e autoridade dos docentes, vocês acreditam nessa pouca vergonha?

São esses mesmos moderninhos, aliás, que resolveram que o correto é se atualizar pelo whatsapp em vez de ler um livro ou um jornal como o pessoal da velha guarda, como eu, ainda faz. Aonde esse mundo vai parar?

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No meu tempo, gente, militar ficava era na caserna, bem escondido depois da ditadura. Não tinha essas modernidades de se candidatar às eleições

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Aliás, lá na época da minha adolescência, no início da década de 90, não existia uma só pessoa que defendesse publicamente a volta do regime militar. Isso seria um vexame completo! As viúvas da ditadura eram enrustidas. Agora, tão aí, na maior pouca vergonha, relativizando tortura e dizendo que nem houve ditadura, o que só pode demonstrar que esse mundo tá perdido, mesmo.

Vocês vão me desculpar o tom nostálgico, mas é que “o meu tempo” era da redemocratização e os candidatos iam aos debates, não tinha essa de dar desculpa e não aparecer. Os debates depois eram manipulados pela edição da Globo e a esquerda podia falar mal da mídia, como deve ser. Agora é uma loucura, ficam dizendo que a Globo é comunista e a gente nem sabe mais quem deve defender. Essas modernidades não são mesmo pra mim!

Por fim, já que a Educação desse país tá de mal a pior e o governo federal só sabe nomear louco para esse ministério, só tenho uma coisa a dizer. Bom mesmo era no meu tempo de adolescência, em que Paulo Freire era secretário de Educação em São Paulo e não execrado publicamente como nesse século 21.

(Esse texto contém ironia mas é baseado em fatos reais. Tenhamos forças para suportar a atualidade)

 

Voos Literários

Paulo Moreira: Uma homenagem a Philip Roth

Flávia Cunha
29 de maio de 2018

Em meio ao momento tenso que atravessamos no Brasil, o mundo perdeu um dos maiores escritores de todos os tempos. O norte-americano Philip Roth escreveu textos considerados polêmicos e sofreu acusações pessoais de misoginia, principalmente de quem mistura o enredo de obras literárias com a vida real. Entretanto, a excelência de seu trabalho  é inegável, tendo recebido prêmios reconhecidos, como o Pulitzer de ficção pelo livro Pastoral Americana.

O jornalista e radialista Paulo Moreira, um especialista em jazz que também saca muito de Literatura, escreveu em seu perfil pessoal no Facebook um relato precioso sobre sua relação com as obras de Roth. Reproduzo o texto aqui, com sua devida autorização:

“Quando eu tinha uns 16 anos, lá nos idos dos anos 70, alguém me falou de um livro muito engraçado chamado Complexo de Portnoy, cujo autor era um escritor judeu, Phillip Roth. Eu li numa edição de bolso – é, na época, tinha livro de bolso estilo americano – e nunca mais larguei o cara. Lembro que comecei a ler o Pastoral Americana na praia, numa noite de verão e não consegui largar. Só parei às 5 da manhã porque o sono me venceu. Phillip Roth é um daqueles escritores que até os livros que não são muito bons te fazem pensar e refletir. A partir dele, comecei a prestar a atenção nos outros escritores judeus, tipo John Updike e Isaac Bashevis Singer. Tenho todos os livros que foram lançados no Brasil nos últimos 20 anos e ainda resgatei alguma coisa nos sebos. Confesso que fiquei chateado quando ele disse que iria parar de escrever mas depois entendi que sua missão estava cumprida. […] O Ewan McGregor dirigiu seu primeiro filme baseado neste livro (Pastoral Americana). Como sempre, o filme é legal, mas empalidece perante as descrições e o estilo do Phillip. Mas vale a pena conferir. Tem no Netflix.”