Pedro Henrique Gomes

Crítica – No Intenso Agora

Pedro Henrique Gomes
25 de novembro de 2017

Como experiência histórica que reúne vários momentos cruciais em torno do ano de 1968, No Intenso Agora, novo filme de João Moreira Salles, traz para o centro de suas questões as próprias condições de produção das imagens registradas na época, no calor dos acontecimentos. Seguindo as informações narrativas que o filme transmite, as imagens evocam expressões de relações de classe, de esperança, de angústia, de desilusão, de reviravoltas no jogo político. O ponto de partida é a imagem. Imagem que virou arquivo. Um filme absolutamente pessoal. No caso, registros da elite brasileira (em que esteve presente Elisa, mãe do cineasta) em visita à China, em 1966, alimentaram nele o desejo do filme.

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Que imagens surgem nos diferentes contextos, questiona Salles, da China maoísta, da França do maio de 68, das greves operárias e das revoltas estudantis, da ditadura militar brasileira e da Tchecoslováquia quando da chegada dos tanques soviéticos que iriam interromper a Primavera de Praga?

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No Intenso Agora ajeita, levanta e corta: o resultado estético dessas imagens carrega, para além do espírito do tempo e da urgência material delas, a estrutura moral e política que permitiu a forma mais ou menos exata com que foram feitas. As imagens respondem a procedimentos dados pelas restrições locais. Segundo o diretor, o filme quer saber quem filma e como filma numa democracia, em uma ditadura ou em um país militarmente ocupado pelo estrangeiro.

A tensão entre o não saber o que se está filmando é a posição por vezes incontornável a quem quer que se aventure com uma câmera (das filmagens amadoras ao documentarista/cineasta que tem no ato de filmar a sua profissão de fé), daí a dificuldade de, muitas vezes, e mesmo que o filme seja também sobre isso, estabelecer conexões entre os registros expostos. Trabalhando com arquivo a partir de longa pesquisa, o filme costura estes acontecimentos para questionar os seus sentidos e significados, as suas expressões e seus gritos. Penso que há inclusive exageros de interpretação (por exemplo, na cena da babá com as crianças), mas eles também corroboram e insistem em escrever os seus sentidos, pois olhar imagens não é outra coisa senão provocar-lhes fissuras no ato mesmo de descrevê-las.

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O filme é seu próprio crítico

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É curioso que somos tentados, decerto exageradamente, a traçar paralelos, também eles, baseados em experiências locais. Junho de 2013, por exemplo, junto de seus desdobramentos, uma vez que a ideia do filme é anterior às manifestações. Este aspecto perfeitamente explícito que o filme possui, seu caráter de análise sistemática dado pelo narrador, permitem também o alargamento dessas relações contextuais. O maio de 68 francês, por seu turno, foi imaginativo e convocou certa potência, mas não conseguiu desestabilizar as superestruturas do poder, sendo inclusive domesticado por ele. O filme comenta isso ao mostrar a lida do governo francês, na figura de Charles de Gaulle, com as manifestações que tomavam Paris: o poder logo sufocou a revolta. João Moreira Salles percebe que falar sobre imagens num filme é também criar outras sobre elas, num processo de autorreflexão visual continuado – e, talvez por isso mesmo, extremamente arriscado e delicado. Seu filme corajosamente toma o risco.

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No Intenso Agora, de João Moreira Salles (Brasil, 2017).