Voos Literários

Hitler em bolo é a História que não pode se repetir

Flávia Cunha
19 de outubro de 2021

A foto de Hitler estampada em um bolo de aniversário circulou na Internet nesta semana. Com certeza, o incidente preocupa quem compreende a gravidade da apologia ao nazismo. O fato veio à tona pois não houve preocupação em esconder nada. Foi a própria aniversariante, uma aluna do curso de História da Universidade Federal de Pelotas, de 24 anos, quem postou a imagem nas redes sociais.

Enquanto a polícia investiga o ocorrido, a UFPEL informou, em nota, repudiar qualquer apologia ao nazismo ou outra forma de discriminação. Sempre vale lembrar, a pena é de 2 a 5 anos de reclusão para esse crime, que não deve ser confundido com tentativa de censura.

Conjuntura brasileira

O que, no meu entender, chama mais a atenção no episódio do bolo com o rosto de Hitler é o contexto em que tal exaltação ocorre. Estamos na fase de conclusão de uma CPI que demonstrou as atrocidades cometidas durante a pandemia que – em muito – lembram os horrores do nazismo.

Nesse panorama, julgo ser no mínimo uma demonstração de desconexão da realidade e negacionismo enaltecer uma figura que promoveu o genocídio em campos de concentração. Além disso, admirar o legado de um líder racista, homofóbico e xenófobo é incrivelmente perigoso no momento político atual do Brasil. Para piorar, essa homenagem ter vindo de uma estudante de História parece uma piada de mau gosto. 

Por isso, considero essencial que estejamos atentos ao passado, para evitar que fatos históricos sejam distorcidos, apagados ou relativizados.

Sobre a tirania

Um livro interessante para refletir sobre o assunto é Sobre a tirania, vinte lições do século XX para o presente, de Timothy Snyder. Na obra, o historiador demonstra a importância de aprendermos com experiências autoritárias, para que os mesmos erros não sejam cometidos novamente.

Snyder destaca, no trecho abaixo, como nem sempre os eleitores estão atentos ao riscos de escolher um líder com características antidemocráticas:

“O protagonista de um romance de David Lodge diz que quando faz amor pela última vez, você não tem como saber que é a última. Com o voto, acontece o mesmo. Alguns alemães que votaram no Partido Nazista em 1932 sem dúvida se deram conta de que aquela poderia ser a última eleição razoavelmente livre durante algum tempo, mas a maioria não percebeu isso.”

A História ensina?

De acordo com o autor, a História não se repete, mas ensina. Espero mesmo que ele esteja certo. Pois ver tantos neonazistas saindo do armário no Sul do Brasil ao longo dos últimos anos é desanimador.

Espero que ao menos no caso da estudante da UFPEL a justiça seja feita, para servir de lição a quem comete crimes de ódio, como a apologia ao nazismo.

Imagem: OpenClipart-Vector/Pixabay

 

Voos Literários

A filosofia contra o neonazismo

Flávia Cunha
15 de agosto de 2017

A tragédia do fim de semana em Charlottesville traz um alerta sobre o avanço do neonazismo e dos supremacistas brancos nos Estados Unidos. Muito já se falou sobre o assunto na mídia, mas ao pensar em que livro poderia trazer uma reflexão sobre o assunto, pensei em pesquisar sobre a obra de Nietzsche, erroneamente associado ao nazismo e ao anti-semitismo.

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Em sua obra Para Além do Bem e do Malo filósofo alemão demonstra não ter preconceito contra os judeus:

“É certo que os judeus [por serem a raça mais forte e mais rija que vive na Europa], se quisessem – ou, se fossem obrigados a tal, como os anti-semitas parecem querer -, poderiam desde já ter a preponderância, mais ainda, falando de modo completamente literal, o domínio da Europa; é também certo que não trabalham nem fazem projetos nesse sentido. Ao contrário, o que pretendem e querem, no momento, até com certa insistência, é ser absorvidos e integrados à Europa, pela Europa; desejam se fixar seja onde for e ser admitidos, respeitados e dar um fim à vida nômade, ao “judeu errante”

Já no livro Ecce Homo, Nietzsche, posteriormente reverenciado por Hitler, demonstra seu desprezo pelos próprios alemães. 

O filósofo, que morreu no ano de 1900, foi associado postumamente ao nazismo em razão de sua irmã, Elizabeth Foster-Nietzsche, ter utilizado e deturpado suas obras em favor da ideologia de extrema-direita. Ela foi a responsável por uma compilação chamada  Der Wille zur Macht (Vontade de Potência) e ajudou a construir essa associação equivocada de Nietzsche com o regime criado por Hitler.

Quem dera os extremistas da atualidade entendessem que propagar o ódio, o racismo e a intolerância não passam da mais pura estupidez e a prova de que o conceito de Super-Homem criado pela filosofia nada tem a ver com esse tipo de comportamento (para dizer o mínimo) reprovável.