Por Pedro Henrique Gomes
Daniel Blake sofreu um ataque cardíaco. Segundo recomendações de seus médicos, está impossibilitado de trabalhar. Ele entra com um pedido de auxílio financeiro, que lhe é devido, junto ao órgão de Seguridade Social inglês, mas tem seu pedido negado: o Estado alega que ele está em condições de trabalho. Tenta recurso, desiste, encontra com as dificuldades impostas pela falta de dinheiro, conhece pessoas em situações semelhantes, ajuda como pode.
Eu, Daniel Blake, o novo filme de Ken Loach, Palma de Ouro no último Festival de Cannes, pretende que o espectador se indigne diante das dificuldades impostas pelo Estado para que um cidadão consiga ter direito a um benefício previdenciário básico.
Loach é daqueles cineastas que não abre mão do estilo e da determinação de sua militância. De suas imagens, a tradição do espírito operário resplandece. A mira, no entanto, nem sempre acerta o alvo. A sua agenda política (que em linhas gerais são justíssimas e compreensíveis) coloca seus filmes dentro de uma norma que ele próprio não consegue transpor para além de certo engessamento narrativo. Seus filmes, mesmos os melhores (Os Ferroviários, de 2002, por exemplo), travam na unilateralidade de suas observações, destituindo-nos daquele mistério contraditório e das tensões que propõem os grandes filmes baseados no “realismo social”.
Loach condena o cinema hollywoodiano (este dos grandes espetáculos) por seus esquemas estéticos e políticos, todavia permite que seus filmes se embriaguem em um nível de chantagem emocional estranho para um cineasta do seu timbre. Eu, Daniel Blake não foge ao riscado.
Ainda que engessado, ainda que repleto de atalhos discursivos e adaptações absurdamente pesadas para passar a mensagem necessária, Eu, Daniel Blake dá indícios, logo em seu início, de que Loach tentará olhar a complexidade do mundo (mesmo que seja do mundo em que ele se insere, ideologicamente falando) sem suas certezas habituais que resultam num enquadramento sociológico severamente limitado.
Que numa modernidade capitalista as individualidades sejam alçadas a um patamar primordial, que a competitividade do mercado e o alargamento dos espaços privados sobre os públicos sejam sintomas, que o Estado burocratizado em consórcio pútrido com o mercado seja um convite ao abandono dos populares, isto parece sensato dizer – e a obra de Loach nos diz.
Mas o filme não precisa necessariamente que o espectador compartilhe de suas crenças, pois nada muda: o seu prato já vem servido e não podemos acrescentar temperos. Resta observar a degradação humanitária da qual seu filme provavelmente se alimentará. A burocracia vence, derrotando a esperança. Há como reerguê-la?
