Voos Literários

Dani Espíndola: “Tanto fiz que deu poema”

Flávia Cunha
24 de outubro de 2020
EXISTÊNCIA?

A existência me negou dotes próprios 

Não pude ser ofertada 

Nem fui notada 

Precisei parir-me para ser alguém 

Quebrei cascas 

Troquei de peles 

Fui além. 

Convenci-me de que para algo haveria de servir 

Pois que para tudo há um propósito, alguém me disse 

E travestida de ilusões 

Pude então seguir. 

O texto acima é de autoria de Dani Espíndola e integra o recém-lançado e-book Tanto fiz que deu poema, lançamento independente que pode ser baixado gratuitamente. A escrita surgiu de forma intensa na vida da autora depois de ser diagnosticada com Covid-19, no início da quarentena no Brasil, como relatei na coluna Voos Literários em 15 de agosto de 2020.  No total, o livro tem 30 poemas, acompanhados de uma seleção de obras de arte que “conversam” com a escrita da autora. 

UM MERGULHO NA POESIA E NAS ARTES VISUAIS

No poema Existência?, por exemplo, a obra escolhida pela autora é Retrato de Maude Abrantes, do artista italiano (radicado na França) Amedeo Modigliani. Pois o quadro em questão é de 1908, porém só uns 100 anos depois é que especialistas descobriram que o pintor havia usado a mesma tela para, anteriormente, pintar uma mulher nua, de chapéu. O curioso é que Modigliani não apenas fez outro retrato por cima, ele virou a tela de cabeça para baixo. Como se quisesse, talvez, mudar seu ponto de vista a respeito daquela figura feminina, que se tornaria uma de suas obras mais famosas. Descobri essa curiosidade na pesquisa para escrever o post e não sei se Dani Espíndola sabia dessa história ao escolher justamente esta pintura do artista plástico.

Ao acabar a leitura do livro, concluo que este acaba sendo mais um mérito de Tanto fiz que deu poema. Além de nos ofertar (gratuitamente) poesia de qualidade, a autora ainda instiga o leitor a querer saber mais sobre o mundo das artes visuais, no jogo de procurar entender o nexo entre texto e imagem. 

O livro Tanto fiz que deu poema pode ser baixado aqui.

Imagem: Capa do livro/Divulgação

Voos Literários

Todas: poética feminina e feminista

Flávia Cunha
15 de agosto de 2020
TODAS
Cansaram de esperar chegar o dia
Quando a voz da autoridade
Não por medo ou piedade
Lhes diria
Que finalmente poderiam
Desfrutar a liberdade
Nas entranhas mais profundas
Nas vontades fecundas
Sorveram a coragem tribal
O mesmo fogo carnal
Acalentou as memórias
Resgatou as histórias
Da mulher original
Nesta fonte elemental
De beleza sem igual
Juntaram-se às demais
Todas as fêmeas surgiram
Em coro silencioso rugiram
O brado atemporal
‘Nenhuma a menos’ jamais.

O texto acima é de autoria da poeta Daniela Boeira Espíndola e foi escrito especialmente para publicação aqui na coluna Voos Literários. Residente em Porto Alegre (RS), a poeta começou a escrever em suas redes sociais após ficar em isolamento devido ao diagnóstico de Covid-19, há alguns meses. Sozinha em seu quarto, restaram os anseios, angústias e o desejo de expressar-se de alguma forma.

Surgia, assim, o hábito diário de postar poemas com temáticas diversas, mas com o feminino e o feminismo como uma constante.  Daniela também escolhe uma imagem de algum artista plástico de sua preferência para publicar junto com cada texto. Para a poesia escrita para o Vós, sua reflexão partiu do despertar coletivo feminino, que busca resgatar a força no sagrado. A imagem escolhida para acompanhar o poema “Todas” é de Jean Fry,  uma artista que tem como inspiração as mulheres indígenas norte-americanas.

ENTREVISTA

Para quem ficou curioso para ler mais textos da poeta, informo que, por enquanto, ela não tem livros publicados. Espero que após a repercussão positiva em torno de seu trabalho, essa situação mude em breve. Da minha parte, asseguro que a qualidade literária de seus poemas é evidente, como vocês podem conferir em seu perfilRecentemente, Daniela e sua filha Glória, que é musicista, participaram de uma entrevista no perfil da minha produtora no Instagram. Na live, a poeta comenta seu processo criativo e lê alguns de seus textos, entre outros assuntos.

Imagem de capa: Women’s Circle Mandala – Jean Fry/Reprodução