Pedro Henrique Gomes

Crítica – Duas vezes Bellocchio

Pedro Henrique Gomes
18 de janeiro de 2017

O cinema sempre demonstrou dificuldades para filmar as realidades sociais. São poucos os cineastas ou movimentos que conseguiram compor um retrato capaz de alargar, para a realidade da câmera (que é uma realidade completamente diversa), as tensões que circulam na sociedade. A tarefa não é fácil e não se pode condenar os aventureiros. Pensador sofisticado, Bellocchio se serve bem neste terreno quando decide nele caminhar.

Entre os contemporâneos, é nome raro ao combinar um criterioso pensamento político, isto é, dos modos de ver as tensões sociais, com um delicado olhar histórico, isto é, no seu caso, uma observação sobre as tradições culturais (religiosas, por onde se deve entender católicas) e a sua relação com o nosso tempo. Sua obra recente o faz ora com mais liberdade poética (Vincere, 2009), ora seguindo os ordenamentos mais estritos da cena política italiana de seu tempo (Bom Dia, Noite, 2003, A Bela que Dorme, 2012).

Seus dois filmes mais recentes mantêm a escrita. Belos Sonhos e Sangue do Meu Sangue, ambos em cartaz até poucas semanas, viajam no tempo, para lá e para cá, para que suas histórias criem sentidos variados. O tempo flui exíguo na trama dos filmes, ciente de sua função transformadora. Essas passagens possibilitam uma reconfiguração, no presente, das percepções sobre os acontecimentos do passado. É impressionante como Bellocchio consegue equilibrar estes tempos e, ao fechá-los e fazê-los confluir, destacar o que interessa: as confissões. É o que está guardado, adormecido, subterrâneo, aquilo que se pretende lançar ao mundo novamente.

Cineasta livre de tudo o que não contribui ao seu trabalho, ao tratamento visual que pretende dar a cada imagem, ele nos faz lembrar, com Belos Sonhos, do seu primeiro longa-metragem, De Punhos Cerrados (1965).

Nos dois filmes, há uma sensação de instabilidade permanente que irrompe da tela e nos atinge com violência. O drama de seus personagens, além da relação com a mãe, parte da necessidade de encontrar a razão das coisas: da política, da religião, da cultura, da cidade, da família, de se adequar, de pertencer.

No entanto, nunca temos uma resposta simplificadora. É preciso confrontar as imagens. Bellocchio realiza o cinema politicamente. Um cinema feito politicamente é um cinema despojado de mensagens como recurso primordial. É um cinema que parte da imagem para dar sentido ao mundo. Neste domínio temos aqui em expoente.