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Ativismo e Arte #3 Entrevista com Silvia Abreu

Flávia Cunha
7 de outubro de 2021

A Arte é libertadora, é o único espaço onde não há fronteiras. Isso é revolucionário”. 

A reflexão foi feita por Silvia Abreu, ao longo da entrevista para o projeto Ativismo e Arte. Mas a conversa partiu do início da trajetória desta jornalista e produtora cultural, que começou cedo na área de Comunicação. De acordo com Silvia, aos 16 anos, já trabalhava no O Infomativo do Vale, jornal de Lajeado (RS), município localizado a 113 quilômetros de Porto Alegre. Quando chegou na capital gaúcha, começou a cursar Jornalismo na Universidade do Vale do Sinos (Unisinos) e ingressou na Zero Hora, um dos veículos mais tradicionais do Estado. Em paralelo ao jornalismo, as artes cênicas eram uma paixão.

Aliás, foi na Unisinos que ela ingressou em um grupo de teatro, dirigido pela professora Tania Wolf. “Tentei me inserir no universo cultural como atriz. Mas encontrei barreiras devido ao meu tipo físico. Não conseguia papéis que seriam para mulheres brancas – porque eu não era branca – e também não era preta o suficiente para fazer papéis de estereótipos negros, como de escravizadas. Fiquei num limbo”, lamenta, pontuando que a situação era ainda pior nesse sentido há 30 anos, quando passou por esse episódio de racismo estrutural.  

Produção cultural

Por isso, a produção cultural foi uma forma encontrada para trabalhar com Arte. Quando surgiu uma vaga como produtora no grupo Carta Aberta, dos Correios, decidiu se candidatar, apesar de ter pouca experiência na função. Na época, a vaga era ocupada por Sirmar Antunes, conhecido do público por sucessos no cinema como O dia em que Dorival encarou a guarda e A cabeça de Gumercindo Saraiva. Antunes resolveu dedicar-se exclusivamente à carreira de ator. Então, Silvia ficou em seu lugar. “Quem me indicou foi o Beto Hermann [músico e compositor]. Eu nunca tinha atuado com produção profissionalmente, só na Unisinos. Mas tive coragem suficiente para arriscar e acho que nunca ninguém percebeu”, diverte-se.

Cartografia dos palcos  

Produtora cultural inquieta, sempre atuou com projetos diversos, em teatro, música e literatura, entre outras áreas. Portanto, não ficaria parada durante a pandemia. Com o propósito de ajudar os colegas de profissão, resolveu fazer um mapeamento das condições de espaços de espetáculos em municípios gaúchos, já pensando em eventos futuros. “A ideia surgiu da minha prática profissional, já que toda vez que ia montar uma turnê, tinha dificuldade de saber informações técnicas sobre os espaços culturais”, destacou, durante a conversa para o projeto Ativismo e Arte. O Cartografia dos Palcos – Mapeamento dos Equipamentos Culturais do RS é uma parceria de Silvia com a jornalista Michele Rolim. “Começamos juntas a desenvolver o projeto. Foram muitas conversas e pesquisas até chegarmos ao resultado final, com os dados organizados em um site.” O projeto foi financiado pelo Procultura, da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul. 

Frente Negra Gaúcha

Outro aspecto relevante da trajetória de Silvia é a atuação em coletivos antirracistas, entre eles a Frente Negra Gaúcha, lançada em 2019. Nessa entidade, é diretora de Comunicação. “As conversas para a criação da entidade começaram ainda em 2018, quando percebemos que a violação dos direitos das pessoas negras estava cada vez mais evidente”, recorda a jornalista. Ela enfatiza que a associação é sem fins lucrativos e suprapartidária. Explica que a frente é composta por pessoas negras e não negras, sem distinção de gênero, classe social, religião ou escolaridade. “A frente busca a coalizão de todas as forças para o enfrentamento do racismo sistêmico que estrutura a sociedade brasileira.” Conforme Silvia, a associação tem como objetivo a conscientização e a promoção do negro e do seu potencial por meio da formação e da representação política nos diferentes espaços de poder”, salienta. No site da entidade, é possível saber mais informações.

Para que serve a Arte?

Provocada durante a entrevista a responder aos detratores da Arte que argumentam que o fazer artístico “não serve para nada”, Silvia fez reflexões sensíveis e relevantes. “A Arte é libertadora, é o único espaço onde não há fronteiras. Isso é revolucionário. Por isso, eu amo a Arte, amo os artistas e defendo a Arte.” Além disso, reforça aspectos práticos que não são levados em consideração por quem critica os artistas. “A Arte é um vetor importantíssimo para a Economia da Cultura”, finaliza, referindo-se não apenas ao ramo da Economia que analisa os impactos econômicos do setor cultural, mas também à disseminação da diversidade e de identidades, entre outros aspectos. 

 

Silvia Abreu

Jornalista e produtora cultural, Integrante da MOVE – Rede de Artistas de Teatro de Porto Alegre, do Coletivo Nimba de Mulheres Negras e Diretora de Comunicação da Frente Negra Gaúcha. Para acompanhar os projetos culturais desenvolvidas pela produtora, acessem seu perfil no Instagram.

Ouça o podcast

 

 

Outros episódios

O projeto multimídia Ativismo e Arte está em seu terceiro episódio. No primeiro, a entrevista foi com Raquel Grabauska, atriz, produtora e diretora teatral, que durante a pandemia voltou seu foco de atuação para projetos sociais. A segunda entrevistada é Atena Beauvoir Roveda, escritora, poeta, professora e filósofa.

Ativismo e Arte – Quem Faz

Uma produção Vós e F Cunha Produtora

Apresentação e produção: Flávia Cunha

Edição de imagem e concepção gráfica: Flávio Siqueira

Edição de áudio: Geórgia Santos

 

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Ativismo e Arte #2 Entrevista com Atena Beauvoir Roveda

Flávia Cunha
10 de setembro de 2021

“Primeiro, tenho que me engajar; em seguida, agir segundo a velha fórmula: ‘não é preciso ter esperança para empreender’. Isso não quer dizer que eu não deva pertencer a um partido, mas que não deverei ter ilusões e que farei o melhor que puder.”

Jean-Paul Sartre

A inspiração sartreana foi um dos motivos que fizeram a filósofa, escritora e professora Atena Beauvoir Roveda ingressar na vida política. A reflexão foi feita durante a entrevista para o projeto Ativismo e Arte. “Me inspirei em Sartre, que propôs a literatura engajada à alguma luta social, política ou popular. Afinal, a literatura quer mudar o mundo de dentro para fora. Na política, é o oposto”, analisa. Além disso, a inspiração da filosofia existencialista de Jean Paul Sartre também já virou livro: Libertê: poesia, filosofia e transantropologia, lançado em 2018.

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Engajamento e luta

No ano passado, ao refletir a respeito deste engajamento à uma luta, a escritora decidiu ir à prática política, concorrendo à vereadora, em Porto Alegre. Atualmente, ocupa o cargo de presidente municipal do PDT Diversidade. Apesar da inegável importância do tema diversidade, ela pondera que ser uma mulher transsexual não a define em todos os seus interesses e causas “As pessoas às vezes acham que por eu ser LGBT essa deva ser a minha única posição epistemológica, existencial, de produção de conhecimento”, observa, referindo-se ao ramo da filosofia que se ocupa do conhecimento científico. “Mas se tem algo que me diferencia por ser uma mulher trans é ter a couraça mais dura”, destaca. 

Essa “couraça” fez ela não recuar quando teve um livro negado por uma editora. Ao contrário, a fez querer lutar. Após a recusa do original, decidiu criar a editora Nêmesis, em 2019, para dar visibilidade a obras escritas por pessoas trans e travestis. Aliás, Nemêsis é uma escolha, no mínimo, instigante. Já que este é o nome da deusa grega da justiça redistributiva e da vingança. Mas Atena atribui um outro sentido à essa palavra, ao afirmar, em suas redes sociais, que “sua literatura é um ato de vingança: vingar a vida fazendo gerar vida”, em uma menção ao livro Contos Transantropológicos. 

E, em breve, o tema política será abordado em livro. A obra A Semente Brasileira será lançada ainda em 2021. “Quero apresentar este assunto de uma forma que não nos distancie da prática. Demonstrar que a política não se prende às estruturas partidárias, já que ela se encontra também em outros espaços.” Atena considera que seu novo livro também é um convite à lucidez. “Se a gente quer uma democracia justa, plural e lúcida, precisamos agir dessa forma no nosso dia a dia”, enfatiza. 

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Atena Beauvoir Roveda 

Nascida em Porto Alegre-RS, é escritora, poeta, professora e filósofa. Ou como ela mesmo se define, uma livre pensadora em Educação, Cultura e Política. Idealizadora da Nêmesis Editora. Para mais informações sobre os livros e projetos da autora, acessem seu perfil no Instagram

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Ouça o podcast com a entrevista completa

 

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Ativismo e Arte – Quem Faz

Uma produção Vós e F Cunha Produtora

Apresentação e produção: Flávia Cunha

Edição de imagem e concepção gráfica: Flávio Siqueira

Edição de áudio: Geórgia Santos



 

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Ativismo e Arte #1 Entrevista com Raquel Grabauska

Flávia Cunha
2 de agosto de 2021

“A gente sabe que está ativa, está militando, está resistindo o tempo todo.”

 Marielle Franco, vereadora, militante e ativista

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A luta da vereadora brutalmente assassinada no Rio de Janeiro foi lembrada por Raquel Grabauska durante a entrevista para o projeto Ativismo e Arte. Atriz, diretora e produtora teatral, Raquel vem desempenhando um papel fora dos palcos e bastidores artísticos. Desde 2020, tornou-se propulsora de ações sociais para ajudar quem passa (ainda mais) dificuldades durante a pandemia. Apesar do resultado visível do projeto CQM+, nossa entrevistada preferiu não se classificar como ativista, quando questionada a respeito. Em seu entendimento, considera o termo algo “maior”, que remete a nomes como o de Marielle.

Por isso, preferiu se intitular como “ativa e artista”. O jogo de palavras entre ativa e ativista parece fazer mesmo muito sentido. Pois é preciso estar em ação para tentar mudar o mundo ao nosso redor. Dentro dessa perspectiva, não existe projeto social menor ou menos relevante, em uma sociedade tão injusta e desigual como a brasileira. 

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CMQ+

O projeto CQM+ foi criado pelo Cuidado Que Mancha, grupo artístico do qual Raquel Grabauska faz parte há mais de 20 anos. Atualmente, a iniciativa conta com 14 voluntárias que recebem doações, como alimentos, agasalhos e outros itens, como móveis e eletrodomésticos. Os donativos são destinados para 23 áreas de Porto Alegre (RS), através da conexão direta com líderes comunitários. “A gente valoriza quem está na comunidade. São os líderes comunitários que sabem as necessidades de sua região”, enfatiza Raquel. 

Para manter o projeto CQM+ ativo, foi criada uma campanha de financiamento coletivo recorrente. Além de contribuir para que as doações sigam sendo destinadas a quem precisa, a ajuda também é necessária para que o Cuidado que Mancha consiga recursos para alugar uma nova sede. 

Os interessados em colaborar, podem acessar este link:  https://apoia.se/cuidadoquemanchamais

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Ativismo e Arte?

Apesar de não considerar que o ativismo tenha interferido em seu fazer artístico, Raquel ponderou que durante a pandemia não conseguiu fazer projetos culturais destinados ao público infantil. “Comecei a trabalhar conteúdos mais voltados para adultos, como vídeos sobre maternidade”, recorda.  Além disso, criticou a condução de editais emergenciais criados pelo poder público para auxiliar a classe artística. “Teve um em que o critério era a ordem de inscrição. Ou seja, ver qual artista tinha a Internet mais rápida e era ágil para digitar seu projeto”, lamentou. Apesar do desconforto, inscreveu-se, por acreditar ser importante para os artistas ocuparem esses espaços. Porém, encontrou uma solução para deixar evidente sua postura crítica. Seu projeto, aprovado, chamou-se “Não me peça para ser criativa”. Uma subversão necessária, convenhamos.

 

 

Depois de encerrada a conversa com a minha entrevistada, precisei discordar da opinião dela a respeito da própria trajetória. Saí da gravação com a certeza que Raquel é uma ativista. E das boas, por fazer esse trabalho de forma sensível e verdadeira.  

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Raquel Grabauska

Atriz, diretora e produtora teatral. Atua há mais de 20 anos no Cuidado que Mancha, uma companhia de música, teatro e literatura voltada ao público infantil. Já publicou 6 livros, além de ter escrito textos dramatúrgicos para espetáculos teatrais. Também é diretora artística do podcast Todo Dia 8, uma produção do Vós.

 

Ouça o podcast com a entrevista completa

 

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Ativismo e Arte – Quem Faz

Uma produção Vós e F Cunha Produtora

Apresentação e produção: Flávia Cunha

Edição de imagem e concepção gráfica: Flávio Siqueira

Edição de áudio: Geórgia Santos