Voos Literários

O submarino (ou o vazio emocional dos milionários)

Flávia Cunha
1 de julho de 2023
A submarine on a tourism expedition to explore the wreckage of the Titanic has gone missing off the coast of southeastern Canada, according to the private company that operates the vessel and the US coast guard. OceanGate Expeditions said in a statement on Monday that it was “mobilising all options” to rescue those on the underwater vessel, which typically has five people on board. British billionaire Hamish Harding is among the passengers, according to a social media post from a relative. The US coast guard said on Twitter that a boat on the surface, the Polar Prince, lost contact with the submersible about an hour and 45 minutes after it began diving toward the wreckage site on Sunday morning. PICTURED: File picture of OceanGate's Titan submersible.

O submarino tripulado por milionários e seu desfecho fúnebre foi um assunto que tomou proporções imensas nas redes sociais e nos noticiários. Convenhamos, a história é repleta de fatos curiosos e bizarros. Um caso típico de fait divers, expressão do jargão jornalístico para designar acontecimentos que não são facilmente categorizados dentro das editorias convencionais dos veículos de comunicação.

Dentre os elementos que chamavam a atenção, estava justamente a fragilidade do submarino, contrastando com a riqueza da tripulação. Uma excentricidade típica de pessoas abastadas mas que dessa vez resultou em um final trágico. Na Internet, houve quem comemorasse as mortes. Também tiveram aqueles que usaram o recurso da ironia para enfatizar que vidas ricas também importam. E foram feitas diversas problematizações do ponto de vista de classe social. Afinal, muitos naufrágios de embarcações com refugiados acontecem seguidamente, sem despertar quase nenhuma atenção da mídia.

Morbidez e curiosidade 

Porém, vamos pensar com calma. Não é apenas uma expedição mal planejada em um submarino que despertou tamanha atenção. Foi justamente a riqueza dos tripulantes, que podiam ter optado por uma viagem mais segura. Acontece que nós, meros mortais que batalhamos todos os meses para fechar as contas do orçamento doméstico, nutrimos, em geral, uma mórbida vontade de vermos milionários e celebridades em apuros.

Basta olharmos os grandes portais de notícias da atualidade. Todos eles reservam – em maior ou menor grau – espaço para dar destaque a notícias questionáveis do ponto de vista ético. Neymar é um alvo bem comum de especulações sobre sua vida amorosa e sexual. Não é de hoje que “menino” Ney se vê envolvido em acusações de traições e exposições de flertes virtuais. O episódio dos 40 minutos de supostas intimidades dispensadas a uma modelo para depois encontrar com a noiva grávida na véspera do Dia dos Namorados só viraram notícia por envolver alguém com fama e (muito) dinheiro. Afinal, infidelidades masculinas acontecem em qualquer espectro social, pois vivemos em uma sociedade patriarcal que minimiza esse tipo de comportamento quando cometido por homens. Para as mulheres casadas infiéis, célebres ou não, resta o julgamento moral e o “cancelamento” virtual. 

Intimidade exposta pós-morte

Por outro lado, podemos avaliar que Neymar e outros famosos só viram notícia porque não sabem preservar sua intimidade. Mas a batalha de herdeiros por uma grande fortuna demonstra que, em se tratando de milionários, manter a discrição em vida nem sempre garante que a memória da pessoa seja conservada intacta. O apresentador Gugu Liberato é o exemplo mais recente. Os embates judiciais já ocorrem há algum tempo desde sua morte, em 2019.

No entanto, nas últimas semanas, há uma onda de matérias e entrevistas com detalhes sobre sua vida sexual, já que a mãe dos 3 filhos do apresentador tenta provar que a relação com Gugu não era apenas de fachada. Independente da orientação sexual do apresentador, me parece bastante desrespeitoso “arrancar” do armário quem não está mais aqui para se pronunciar a respeito. A responsabilidade é da imprensa? Talvez não, já que pessoas próximas a Gugu foram quem resolveram fazer revelações. Contudo, novamente, o que está por trás da curiosidade do público é a imensa quantidade de dinheiro em disputa. 

Possivelmente, pode se tratar de uma espécie de vingança do proletariado. Afinal, os ricos podem não sofrer para pagar boletos mas nem sempre conseguem ser felizes. São, no mínimo, entediados em busca de aventuras sexuais que duram poucos minutos ou de viagens em submarinos que afundam, sem dó nem piedade. Nesse sentido, enquanto a desigualdade social prosseguir no mundo, notícias envolvendo ricos e famosos permanecerão rendendo boa audiência na mídia.

Sugestões de leitura

Acidente em Matacavallos e outros faits divers: um romance – O livro de Mateus Kacowicz, de 2010, usa como ponto de partida uma notícia curiosa, no estilo fait divers, para falar do impacto dessa matéria na vida de uma poderosa e rica família no Rio de Janeiro dos anos 1920. 

A Lista de Convidados Um crime ocorre durante uma festa milionária de casamento em uma ilha.  O assassino e seus motivos só pode estar entre os convidados do evento. Ou será que não? O livro é indicado para quem gosta de romances policiais com personagens endinheirados mas que guardam segredos sinistros.

Imagem: Facebook / Reprodução