Voos Literários

Sobre crises, literatura e jornalismo

Flávia Cunha
1 de fevereiro de 2017

Muito se fala em crise econômica e, conforme especulações midiáticas, enfrentamos agora a maior crise já vivida no Brasil. No campo da literatura, porém, os escritores batalham contra as agruras financeiras seguramente há bem mais tempo e muito deles acabam tendo no jornalismo uma segunda profissão. Ainda no século XIX, Machado de Assis e outros autores daquele período tinham nos artigos e crônicas publicados na imprensa um meio de sobrevivência. As razões apontadas, na época, eram as baixas tiragens de livros, público leitor ainda incipiente, além das condições inerentes a uma ex-colônia portuguesa, que vivia a transição política entre o fim do Império e o início da República, o que também não propiciava o desenvolvimento de um mercado editorial.

Já no século XX, outro que obteve no jornalismo uma forma de pagar as contas era o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, que apelidou a função de “costurar para fora”. Apesar da carreira jornalística consolidada, Caio não escondia dos amigos o fato de manter a profissão a contragosto. Por sempre ter escrito de forma desenfreada, ele conseguia ter uma boa atuação no jornalismo. Porém, os prazos exíguos, precisar submeter seu texto à vontade de editores e à redação jornalística eram fatores que angustiavam o Caio escritor. Apesar disso, ele reconhecia que trabalhar com textos enxutos ajudava-o em suas obras literárias.

O jornalismo foi fonte de inspiração para seus enredos. No romance Por Onde Andará Dulce Veiga, o protagonista é um jornalista desempregado, que volta à imprensa apenas por motivos financeiros. Na história, há referências e críticas à rotina da imprensa e aos prazos sempre curtos para entrega de textos. Outro personagem marcante de sua literatura é o crítico teatral Pérsio, do conto Pela Noite, publicado no livro Triângulo das Águas. O cargo chegou a ser exercido pelo próprio Caio na vida real.

Aliás, coincidência ou não, Clarice Lispector, a grande inspiradora da obra de Caio Fernando Abreu como escritor, também atuou na imprensa brasileira. O colombiano Gabriel García Márquez foi outro que fez nome no jornalismo antes de convencer os editores de que seus enredos de realismo fantástico fariam mesmo sucesso.

Aparentemente, a crise financeira pessoal é uma constante na vida de escritores, famosos ou anônimos, independente do momento histórico e político. Mas esses seres teimosos e persistentes  seguem insistindo na profissão. Para o alívio dos leitores compulsivos, como nós.

Para saber mais:

  • Para Sempre Teu, Caio F. – Paula Dip – Editora: Record
  • Pena de AluguelEscritores jornalistas no Brasil de 1904 a 2004 – Cristiane Costa – Editora: Companhia das Letras
  • Jornalismo e literatura -A Sedução da Palavra – Organização de Gustavo de Castro – Editora: Escrituras