Voos Literários

Etarismo como estratégia na tentativa de golpe?

Flávia Cunha
1 de fevereiro de 2023
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

O etarismo teria sido uma das estratégias dos articuladores da tentativa de golpe em 8 de janeiro. Conforme alguns analistas, o destaque à participação de idosos nas manifestações antidemocráticas em frente a quartéis foi proposital. Desse jeito, a extrema-direita daria uma imagem de fragilidade ao movimento. Consequentemente, a ideia de um ataque concreto e violento às instituições brasileiras pareceria distante.

Porém, no meu ponto de vista, caso esta tática tenha sido mesmo intencional, o recurso só foi utilizado porque o etarismo é latente em todos os espectros políticos. Por isso, quem planejou e patrocinou os atos contra a democracia no Brasil pode ter se aproveitado de um preconceito social, silencioso e estrutural. 

Memes etaristas

Afinal, é muito comum (e lamentável) que jovens debochem de pessoas mais velhas apenas pelo fator etário. Assim, as manifestações descabidas a favor da volta da ditadura militar e contra o resultado das eleições presidenciais de 2022 viraram memes. Foram consideradas como coisa de velhos desocupados. Lembro de uma das piadas destacando que o retorno dos bingos acabaria com os protestos antidemocráticos. Por esse raciocínio “humorístico”, apenas pessoas mais velhas (e aposentadas) estariam envolvidas nas manifestações. Dessa forma, a chacota com idosos contribuiu para que um movimento organizado e com patrocínio de empresários nos bastidores não fosse levado tão a sério. 

Evidentemente, não estou aqui defendendo a parcela da população idosa que participou da tentativa criminosa de golpe e nem as pessoas (de qualquer faixa etária) que resolveram sair às ruas de verde e amarelo fazendo reivindicações insanas e descabidas. Porém, considero que é importante refletirmos, enquanto sociedade, sobre a reprodução de preconceitos em nome de um suposto humor. Há muito tempo, sabemos que falar de forma desrespeitosa sobre a raça, a orientação sexual, o corpo ou o gênero de alguém está longe de ser engraçado. No entanto, “tirar onda” dos mais velhos parece um comportamento ainda aceitável.

Um alerta necessário

Portanto, gostaria de deixar um recado aos jovens que leem esse texto escrito por uma mulher de 45 anos. Um dia, os cabelos brancos vão surgir. As rugas aparecerão em seus rostos agora sem marcas de expressão . E, daqui a alguns anos, se não houver um esforço coletivo para acabar com o etarismo, serão vocês os hostilizados apenas pelo tempo ter passado. Além disso, os corpos mais velhos desafiam a lógica capitalista que reverencia a juventude, em nome dos lucros da indústria de procedimentos estéticos. Por fim, é essencial destacar que uma democracia só será completa se todos os cidadãos forem respeitados da mesma forma.

Livro para aprofundar as reflexões

Etarismo, um novo nome para um velho preconceito (editora Gulliver, 2021).  A psicóloga Fran Winandy, especialista em Diversidade Etária e Etarismo, descreve em detalhes como combater esse preconceito. 

Inspiração

Tive a ideia para esta publicação ao me deparar com este texto do site Congresso em Foco. Por isso, indico também esta leitura.

Outros textos

A coluna Voos Literários já abordou o tema etarismo, com enfoques a partir do feminismo, da luta de classes e da militância de esquerda.

Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil