O Avesso da Pele, premiado romance de Jeferson Tenório, virou notícia nacional ao ser alvo de tentativa de censura no Rio Grande do Sul. Tudo começou com a diretora de uma escola pública estadual de Santa Cruz do Sul publicando um vídeo em suas redes sociais. Ela alegava estar chocada com as palavras de baixo calão e o teor supostamente pornográfico do enredo. Além disso, pedia a proibição da adoção do livro em turmas do Ensino Médio. Em termos de cobertura de imprensa, o posicionamento da diretora e a repercussão contrária à tentativa de censura vem sendo tratada como uma mera “polêmica” apenas pelos veículos daquele município.
Livros do PNLD são uma escolha das escolas
No restante do país (incluindo a grande mídia gaúcha), a abordagem é a de um comentário equivocado feito justamente pela educadora responsável por selecionar a obra em questão. Ao ser confrontada com o fato de que as obras do Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) só são enviadas pelo MEC a pedido da instituição de ensino, a diretora Janaína Venzon caiu em contradição. Primeiro, alegou que havia colocado o livro na lista de obras apenas analisando a capa, sem ler o conteúdo. Depois, voltou atrás e garantiu que o fato se devia a uma falha do sistema ligado ao MEC.
De qualquer forma, os livros chegaram a ser retirados da biblioteca daquela escola e houve um pedido da coordenadoria de educação da região para adotar a mesma medida nos municípios de sua abrangência. Porém, o governo gaúcho já desautorizou esta decisão.
Entretanto, causa espanto que um trecho (descontextualizado) sobre sexo em meio ao denso enredo de O Avesso da Pele provoque mais indignação do que o relato principal, conforme comentou o próprio Jeferson Tenório em suas redes sociais:
“O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras.”
Nova tentativa de censura no Paraná
Mais do que um fato isolado, a tentativa de censura de O Avesso da Pele faz parte do comportamento recorrente da parcela mais conservadora da população brasileira. O repúdio à adoção da obra em sala de aula sustenta-se sob o argumento (falso) de que a culpa é do governo Lula. Ainda que haja comprovação, inequívoca, de que o livro, dentre outros, foi selecionado para o PNLD ainda na gestão Bolsonaro, em 2022. Em um novo desenrolar das estratégias conservadoras, há tentativa de censurar a obra, desta vez no Paraná. A coordenação do Núcleo Regional de Educação de Curitiba determinou o recolhimento de exemplares do livro. A denúncia foi feita pelo sindicato dos trabalhadores em educação pública.
Defesa contínua da democracia
Dentro desse cenário, precisamos lutar pela defesa dos princípios democráticos. Também é um contrassenso defender que os jovens não leiam determinados livros em ambiente escolar, onde há um processo de mediação de leitura.
A Companhia das Letras, editora responsável pela publicação de O Avesso da Pele, inclusive disponibiliza, em seu site, para download gratuito, um material de apoio destinado a professores. Chamado “Por Uma Escola Afirmativa: Construindo Comunidades Antirracistas”, o documento traz questionamentos e reflexões pertinentes sobre o papel da escola nessa dinâmica:
“A leitura, guiada pelo prisma do letramento racial – entendido como um processo de consciência e conhecimento racial –, é uma plataforma que, em um mesmo gesto, aproxima e ensina. Por essa razão, a literatura pode ser uma linguagem fundamental para a construção de uma sociedade mais igualitária e autorreflexiva. A escola é um espaço absolutamente central para a formação de sujeitos capazes de viver em uma sociedade plurirracial, preparados para compreender que as diferenças que nos individualizam não podem justificar a desigualdade racial e o extermínio de corpos e mentes.”
Felizmente, em meio às tentativas de censura deste livro, a obra está, nos últimos dias, entre as dez mais vendidas na Amazon. Sendo assim, houve o efeito contrário à onda de avaliações negativas promovida nesta plataforma de vendas e também no Google livros. Afinal, quem realmente gosta de Literatura dificilmente se deixará levar pelo falso moralismo e por tentativas de cercear a liberdade de acesso à cultura.
