Como qualquer apreciador de futebol minimamente interessado sabe, o jogo acontece no meio de campo. É importante defender bem, marcar gols é obviamente fundamental, mas pouca coisa acontece sem uma boa transição, alguém que dê cadência às ações, que observe os extremos do gramado e busque agir de forma a conectá-los da melhor forma possível.
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Talvez até aconteça um gol que outro na ligação direta, mas é um bom trabalho dos meias que deixa o jogo mais eficiente, taticamente desafiador e agradável ao olhar
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Falta meio de campo na nossa atual discussão política. E não apenas no aspecto mais óbvio, na gritaria maluca e transbordante de rótulos pobres que domina as redes sociais e de lá transborda para as ruas do mundo real: está faltando meias de qualidade na nossa esfera pública, em nossos espaços de debate e opinião.
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Temos, de um lado e de outro, colunistas e comentaristas jogando demasiado para a torcida, afastando aos berros a investida adversária, gritando e dando socos no ar cada vez que chutam a bola para a linha de fundo. Uma comemoração espetacular e chamativa, mas que no fundo não indica vitória alguma
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Nenhuma jogada elaborada acontece nesse gramado. Os gritos de guerra são cada vez mais primários, e boa parte das atuais estrelas do debate político parecem ter encontrado na reprodução dessas torpezas uma tática de jogo simplória, mas eficaz. São favoritos de suas respectivas torcidas, mas pouco ou nada fazem para trazer qualquer equilíbrio ao jogo em que atuam. Ao contrário: vivem da oposição, tanto faz se primária ou francamente destrutiva, e incentivam o rompimento em uma gritaria cada vez menos serena, dois extremos onde a única ligação possível é o chutão.
Não que seja problema ter opiniões claras e sólidas, ao contrário. O topo do muro é um lugar abominável para qualquer um que valorize o pensamento. O que nos falta é pessoas que peguem a bola do lado de lá e a carreguem para o lado de cá?—?ou, dizendo de forma mais clara, gente que discorde do outro lado sem tratá-lo como um ajuntamento de desonestos ou imbecis.
O simples consumo de opiniões confirmatórias não nos levará a lugar algum. Não é possível afastar a jogada dos discordantes o tempo todo: às vezes é preciso ouvir o que dizem e pensar, sem ódio, sobre o que nos leva a discordar deles. Até para termos mais certeza de nós mesmos, do que é realmente importante em nosso pensar. Existem pontos de intersecção, sempre, em qualquer grupo humano que se possa imaginar?—?e enxergá-los não é fraquejar no debate, mas justamente buscar nele o que pode nos levar além da simples oposição, o que nos confronta com nós mesmos e vai nos deixando menos cheios de certezas (e, quase como consequência, um pouco mais ponderados e tolerantes) no processo.
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Rótulos são um lixo. Gostar ou não do Lula é pouco para detestar alguém. Ninguém é só “petralha” ou “coxinha”, ninguém está plenamente errado e ninguém se encontra em posição que permita a soberba, o deboche ou a condescendência
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Quem resume os outros busca atalhos para a própria incompreensão. Emburrecemos todos, sempre que escorregamos para esse estratagema. Se a tentação de transformar a política em futebol é tão irresistível, lembremos ao menos de onde a disputa no gramado é mais rica e cerebral: na faixa central do gramado, onde se pensa a partida e se busca as soluções que levem ao resultado desejado. Esse jogo dos últimos tempos, convenhamos, anda insuportável de assistir.
Originalmente publicado em dezembro de 2015
Foto: Márcio Cabral de Moura
