Crise! É o clima político que percorre o Ocidente—de norte a sul aí no “novo mundo”, de canto a canto aqui pelo velho. Em poucos anos vivemos, não uma, mas muitas crises sucessivas. E do seu cúmulo, o velho continente já não nos parece tão familiar. Paira no ar a sensação de que a Europa que até ora conhecemos mudou, sem se saber bem para o quê.
“A história é feita de longos períodos em que nada parece mudar, e de momentos em que o mundo parece ter mudado de repente”, ouvi um dia um Professor dizer. Estes “momentos” começaram em 2008 com o estalar da crise financeira, mas têm ocorrido a um ritmo cada vez mais acelerado nos últimos dois, quase três, anos.
Despertámos em choque no início de 2014 com a anexação da Crimeia pela Rússia. Um momento que trouxe à memória europeia a era de conflitos que julgávamos ter deixado no século XX. Parecia ser coisa do passado. Mas de um passado bem mais distante são os atos de violência inqualificável praticados em nome de um Deus, pensávamos.
2015 começou com o ataque islamista (fundamentalista, entenda-se—não islâmico) a Charlie Hebdo, e acabou com os ataques de Paris em novembro. Seguiram-se este ano os ataques no Aeroporto de Bruxelas e mais recentemente em Nice. Novidade não eram—vimos ataques destes ao longo da última década. Mas a insistência em tão curto espaço de tempo operou uma mudança na nossa perspectiva. Um ataque terrorista entristece-nos, preocupa-nos, revolta-nos, mas já não nos surpreende. E isto sim é novidade!
Coisa do passado parece-nos também o apoio crescente à extrema-direita que se alimenta de sentimentos racistas, xenófobos e nacionalistas que aqueles acontecimentos só vieram intensificar. Há quem veja nestes sentimentos a causa do momento histórico que fez toda a Europa estremecer há poucos meses atrás: o Brexit. Houve, convém dizer, argumentos sãos e sérios do lado Leave. Mas o certo é a incerteza que esta decisão inédita trouxe para o futuro do Reino Unido e da União Europeia. Teme-se pela coesão das duas uniões, especialmente desta última com as eleições francesas e alemãs a caminho—dois países onde a extrema-direita tem ganho terreno.
Já na Península Ibérica, a ascensão do outro extremo—à esquerda—lançou Portugal e Espanha em situações sem precedente, ainda que diferentes. Há um ano os dois países atravessavam eleições em simultâneo. Em Portugal o partido de centro-esquerda aliou-se aos partidos da extrema-esquerda formando um governo famosamente apelidado de “gerigonça”. Mas um ano depois, Espanha nem gerigonça tem! Irá a eleições pela terceira vez antes do final deste ano—um recorde!
Novidades eleitorais e referendárias à parte, o que é mais preocupante são as vozes antieuropeístas numa União Europeia instável, incerta e desacreditada. Fora dela ficará certamente a Turquia depois de uma tentativa de golpe de Estado levar o país a dar uma guinada para o autoritarismo desvelado. E pelo meio fica uma crise ainda mais difícil de resolver: a dos refugiados Sírios e de outras partes de um Médio Oriente sem paz à vista. Esta é a mais urgente e desumana das crises que afetam a Europa. É um problema que aprofunda as suas divisões, medos e hesitações, e que a faz questionar-se acerca dos seus valores fundamentais.
Todas estas crises evidenciam uma crise ainda mais profunda: a crise de identidade europeia. Diz-se que a UE é um OPNI (Objeto Político Não Identificado). E este mistério está no cerne da discussão entre e no interior dos seus Estados-membros que ponderam o grau de “união” que querem na União, já para não mencionar se querem continuar a ser parte dela.
Mas crise é sinal de mudança que, não vindo a bem, vem a mal. Estas crises podem parecer inesperadas, mas os sinais estavam à vista para quem os quisesse ver. A liderança europeia, até agora inerte, confronta-se com as questões de fundo que tem evitado. O que virá das crises financeira, de segurança, estrutural, política e humanitária está nas suas mãos. Pode ser que desta crise existencial o velho continente saia esclarecido quanto à sua identidade e direção nesta era globalizada.
Daqui da Europa prometo partilhar com o Vós o que vou percebendo deste novo velho continente.
Até breve,
Ana
