Voos Literários

Narrativas políticas não me representam

Flávia Cunha
30 de maio de 2023
Brasília (DF) 29/05/2023 - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chega ao Palácio do Itamaraty para almoço com o presidente Lula . Foto Antônio Cruz/EBC

Narrativas políticas têm me provocado um tremendo enfado. Exemplo recente do uso da narrativa no sentido político é a visita ao Brasil de Nicólas Maduro. O controverso presidente venezuelano chegou ao país provocando a ira de integrantes da direita e extrema-direita, que relativizam a ditadura militar brasileira, mas usam esse argumento para atacar Maduro. Já o presidente Lula e parte da esquerda resolveram adotar uma narrativa perigosa. A de que as críticas a Maduro são baseadas na mera desinformação. Por esse ponto de vista, o presidente venezuelano teria uma gestão irretocável, atacada por opositores apenas por questões ideológicas. 

Em termos de narrativa política, esses são os pontos apresentados. Vilões ou mocinhos se revezam nas funções, de acordo com o autor da narrativa (ou post nas redes sociais). Seria uma espécie de telenovela mexicana, sem nuances de personalidade dos personagens. Para um antipetista, as narrativas sempre levarão a Lula ser ladrão, mesmo que se demonstre, com fatos, que sua prisão teve razões políticas. Dentro dessa perspectiva de percepção da realidade, a cassação do mandato de deputado de Deltan Dallagnol, por exemplo, é uma perseguição inaceitável, provavelmente arquitetada pelo vilão Lula. Adianta tentar argumentar com fatos para as pessoas que enxergam a política brasileira por esse prisma? Cada vez mais acredito que não. Pois as tais narrativas se sobrepõem às notícias e fatos, tornando inviável o trabalho da imprensa realmente comprometida com a verdade e não com interesses econômicos.  

Lula precisa defender tanto Maduro?

Porém, minha ressalva às narrativas esquerdistas vêm principalmente no caso da política internacional. Entendo que Lula queira se firmar no cenário mundial como uma liderança, depois do vácuo diplomático deixado pela falta de traquejo de Jair Bolsonaro. Porém, fazer defesa a Nicólas Maduro realmente seria necessário em um momento de turbulência na economia brasileira? Justamente nesse período complicado, que afeta diretamente os trabalhadores, com alimentos caros e dificuldade de manter as contas em dia? Será mesmo que era imprescindível Lula dar essa munição fácil para as narrativas da oposição?

Narrativas literárias

Da minha parte, prefiro narrativas literárias a narrativas políticas. Não apenas por ter estudado Literatura em termos acadêmicos, mas por considerar que a ficção em um livro está demarcada para os leitores. A imaginação é apenas isso. Quando baseada em fatos reais, há explicações a esse respeito para quem está lendo. 

Já as narrativas políticas são tomadas como 100% verdade por quem as defende. Mas o mundo real, assim como a boa literatura, é feito de sutilezas. Sendo assim, defendo a perspectiva de que mesmo sendo de esquerda, não vejo Lula como um herói. Porém, considero que o outro lado do espectro político anda muito mal frequentado. Já houve um tempo em que a gente podia respeitar os opositores (Saudades, FHC!). Por agora, me resta lamentar as tantas narrativas que endeusam medíocres e toscos da direita (e da esquerda!). Mas essa pode ser apenas a minha narrativa sobre um Brasil em reconstrução pós-pandemia e pós-bolsonarismo.

Imagem: Antônio Cruz / Agência Brasil