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O presidente dos Estados Unidos da América não consegue denunciar, com o mínimo de convicção, a supremacia branca
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Choca ler esta frase escrita sozinha assim? Pois, choca. Mas não deixa de ser verdade por isso. Foi assim mesmo a resposta do presidente às marchas da extrema-direita e neo-nazistas na cidade de Charlottesville, no estado da Virgínia, no fim de semana passado. Primeiro denunciou o acontecido em clamor aos “múltiplos lados maus”. Depois, recuou com uma denúncia mais completa dos grupos neo-nazistas presentes nos atos e da violência que lá ocorreu. Mas não durou mais do que um par de dias, pois recuou outra vez em uma coletiva de imprensa incoerente, onde deixou escapar lapsos freudianos que indicavam um apoio ao nomeado “alt-right”. Em suma, o presidente não consegue tapar a sua afinidade pelos movimentos mais apegados às ideias de supremacia branca. Já sabíamos disso desde a sua campanha eleitoral.
É inaceitável ter um presidente de um país democrático que apoia essas ideias, especialmente de modo tão flagrante.
Que não seja ambíguo para ninguém: a marcha que decorreu em Charlottesville foi em protesto da retirada de um monumento à Confederação. Os Estados Confederados da América foram uma tentativa em vão de manter o sistema de escravidão, em plena rebeldia contra a União e a opinião pública crescente da época, através da sucessão dos estados declarados escravistas da região Sul dos Estados Unidos da América. Sem mais. Por isso, os grupos da ideologia de supremacia branca (e sim, os neo-nazistas mesmo) têm adotado os símbolos da Confederação.
Esses mesmos grupos ameaçavam durante semanas invadir a cidade de Charlottesville em resposta à retirada da estátua confederada. No final de semana passado, invadiram-na, marchando com gritos de todo o tipo contra as minorias não brancas. Não foi, aliás, uma marcha de dois lados. Foi a reunião de grupos extremistas, unidos pela preservação da supremacia da raça branca. Invadiram uma cidade que ousou contrariar as suas crenças.
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Sem a convivência de grupos minoritários com a maioria,
não há democracia
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A verdade inconveniente de ter um presidente que mostra algum nível qualquer de simpatia com essas ideias é que questões raciais serão, durante todo o seu mandato, alvo central do debate público. Isto é, até as pessoas brancas que estavam acostumadas a poder ignorar os problemas raciais, já não podem mais. Não tomar consciência do racismo—estrutural mesmo, desde os anais do poder máximo no país—é escolher estar, passivamente, do lado opressor. É imprescindível e uma responsabilidade única que os brancos renunciem a supremacia branca. Não fazer nada perante a crescente reivindicação dos grupos supremacistas é estar conforme com os seus desejos: manter o poder de estar indiferente à condição de pessoas de outras raças no país. As minorias não têm esse luxo. É isso mesmo que os extremistas marcharam para reivindicar.
É tempo de exigir a saída de todos os simpatizantes de intolerância do governo. Se o presidente já estava emaranhado em problemas de governabilidade, agora será sempre mais. Sem a convivência de grupos minoritários com a maioria, não há democracia.
