No dia 30 de junho o Parlamento alemão (Bundestag) aprovou o casamento civil igualitário – popularmente conhecido como casamento gay. Foram 393 votos a favor e 226 contra. Os seis deputados muçulmanos do país foram favoráveis ao projeto. Em um tempo como o nosso, em que a islamofobia corre solta nas ruas e nas redes sociais, é preciso destacar este fato.
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Na Alemanha não foram os muçulmanos que se opuseram ao casamento gay, foram os católicos
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A União Democrática Cristã (CDU), partido da chanceler Angela Merkel, votou em peso contra a medida. Foram 225 deputados da CDU contra o projeto e 75 a favor – dentre eles, a única deputada muçulmana de suas fileiras, Cemile Giousouf. A votação só ocorreu porque finalmente o governo de Angela Merkel resolveu autorizar os deputados da CDU a votarem de acordo com sua convicção neste caso. Isso destravou a tramitação do projeto no Bundestag.
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Conservadora, a própria Merkel votou contra a medida. “Para mim, o casamento sob a lei alemã é a união entre um homem e uma mulher”, disse
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Além de Cemile, os demais parlamentares muçulmanos que votaram a favor do casamento civil igualitário pertencem ao Partido Verde alemão (Cem Özdemir, Ekin Deligöz, Omid Nouripour e Özcan Mutlu) e ao Partido Social Democrata (Aydan Özoguz). Estas suas siglas votaram unidas pelos direitos LGBTs, assim como o partido A Esquerda (Die Linke), com seus 63 deputados.
Ainda é muito presente o preconceito contra muçulmanos em particular e árabes em geral. É muito comum que as pessoas associem qualquer muçulmano ou cidadão árabe a terrorismo. Mesmo no Brasil, onde não se tem notícia de atentados ou grupos organizados com esta finalidade. E onde as diferentes religiões convivem em relativa harmonia.
Eu mesmo, que não sou árabe ou muçulmano, já tive que lidar várias vezes com este tipo de preconceito – já que meu nome é árabe e, além disso, eu estudo língua árabe. “Está aprendendo árabe para virar terrorista?” e “Cuidado com o Samir, agora ele quer falar árabe” foram alguns absurdos que já ouvi. Até no Tinder já passei por isso: “Samir, nome de homem bomba”, disse o sujeito. Na primeira vez que veio falar comigo! É claro que foi bloqueado na hora.
Agora imagine sair na rua com um hijab. Imagine ir rezar em sua mesquita e ter que conviver com pichações difamatórias. Imagine ter que explicar inúmeras vezes ao dia que os fanáticos que detonam bombas e reivindicam o Islã não representam os muçulmanos.
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Imagine ser um LGBT muçulmano e ter que explicar que sua fé não é indissociável de sua orientação sexual ou identidade de gênero
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Outro braço deste preconceito é acreditar que todo cidadão árabe ou muçulmano é naturalmente um conservador. Uma pessoa atrasada e primitiva, arredia a qualquer costume ocidental e à conquista de direitos por mulheres e LGBTs. Dois mitos ridículos, sustentados por uma visão ocidentalocêntrica de mundo, que despreza as conquistas e processos históricos do Oriente, especialmente dos povos árabes – que foram tão vítimas da exploração imperialista quanto a América Latina. Talvez até mais, se considerarmos os poderosos interesses geopolíticos que dominam os países do Oriente Médio, do Golfo e do Magreb.
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É evidente que em muitos países árabes existe severa restrição a direitos de mulheres e LGBTs. Mas não precisamos ir tão longe, o Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo e é uma nação de maioria cristã
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É com a natural arrogância ocidental que muitos desejam ensinar aos povos árabes como eles devem conduzir suas lutas. Como se as mulheres e os LGBTs árabes precisassem ser conduzidos pela mão por algum libertador ocidental em direção à vitória. Não. Os povos árabes estão travando suas próprias lutas e não precisam de nossas lições.
Recentemente a ONG LGBT palestina Al-Qaws – palavra que, em árabe, significa arco-íris – lançou uma campanha para dialogar com a sociedade palestina a respeito de mitos sobre gênero e sexualidade. O vídeo exibe um diálogo entre três jovens palestinos, relatando de forma muito pedagógica como combatem o preconceito em suas comunidades.
É inaceitável que nós, sul-americanos e que conhecemos como poucos a realidade do colonialismo, tenhamos uma postura islamofóbica e xenófoba em relação aos povos árabes. Façamos um esforço radical de aproximação e compreensão. Temos muito a aprender com uma cultura tão rica e diversa, com povos que sentiram ao longo da história – e ainda sentem – o peso brutal da exploração colonial.
O mundo inteiro avança quando a luta contra a islamofobia e a xenofobia encontra a causa LGBT. Por mais alianças poderosas e transformadoras como essa!
Foto: Deputado muçulmano Cem Özdemir na Parada do Orgulho LGBT /Reprodução Facebook
