Pedro Henrique Gomes

Crítica – Central – o Filme

Pedro Henrique Gomes
21 de julho de 2017

As imagens de Central – o Filme carregam toda a carga de nossa relação, “nominal e real”, com a violência. Sabemos que ela existe, isto é um fato. Quando não a vemos nas ruas, o noticiário (inclusive o impulsionado por nós através das “redes”) golpeia o nosso pensamento. A tendência, mais à esquerda, é negá-las e evitá-las para não alimentar a “indústria do medo”. São imagens obscenas, que instauram uma lógica de reação violenta. À direita, a reprodução dessas imagens incentiva capsularmente a repressão e, voilà, a violência do Estado contra os indivíduos e da própria sociedade contra ela mesma.

Mas como, de fato, olhamos para tais imagens para compreendê-las fundamentalmente sem cair na negação e no discurso repressivo? O silêncio ensurdecedor dessa relação é o nosso paradoxo civilizacional. O documentário de Tatiana Sager e Renato Dornelles coloca o dedo nessa ferida.

Decerto a breve introdução acima amplia o escopo daquilo que o próprio documentário se propõe a discutir, a saber, a situação deplorável do presídio central de Porto Alegre e, no limite, do sistema carcerário brasileiro, mas não consigo deixar de vincular os modos de atenção destinados aos símbolos da violência à tendência autoritária tipicamente brasileira. Se é verdade que a violência se constitui a partir de vários eixos que subtraem a humanidade de todas as partes envolvidas, não é possível que possamos pensar em resolver a questão afastando-nos dela. Será que vemos o que as imagens nos dizem?

Blocos imensos superlotados de pessoas apartadas da sociedade parecem nos dizer pelo menos duas coisas: que a violência existe e que o pensamento sobre as suas causas ainda carecem de uma reflexão intelectual profunda e sistemática. Pelo visto, a terceira via nos diz que não estamos agindo da melhor forma para lidar com o problema. O Brasil não é para amadores, estava certo quem o disse.

O documentário se faz entender: o confinamento, a sujeira, a superlotação, a violência, o perigo iminente, a incerteza, enfim, não há um lado bom em estar preso, nos confessam, pelas suas falas, os homens em cárcere. As entrevistas com presos, policiais e especialistas em segurança pública, além da câmera que a produção entregou aos presos para que eles filmassem a partir de dentro o cotidiano da prisão têm o contrapeso desejado ao costurar os argumentos, as defesas, os entendimentos, as possíveis saídas, as dificuldades e as tensões em disputa. Se a cultura da imprensa brasileira opera num “silêncio visual” (como disse João Moreira Salles) sobre a violência, Central – o Filme trata de fazer um pouco de barulho em torno da questão.

Por outro lado, não sei se por estratégia narrativa ou por desatenção, Central apenas tangencia um tema que certamente infla essa dificuldade estrutural, e este tema é a despenalização das drogas – embora enfoque no tráfico, inclusive o tráfico que circula no presídio e que o excede, os usos das drogas não participam do debate. De todo modo, está claro que aquele que já foi tido como o pior presídio do país ainda não oferece as mínimas condições de recuperação social aos condenados e tampouco dignidade aos que trabalham lá.

Como vemos, o sistema judiciário é incapaz de lidar com problemas sociais, sendo meramente um agente regulador de penas. Ao mesmo tempo em que desumaniza os confinados, também o faz com todos os cidadãos. Entre nós, é mesmo um sistema falido.

Central – o Filme, Brasil, 2017. De Tatiana Sager e Renato Dornelles.