Hoje é o Dia do Rock. Um gênero musical agressivo, intenso e contestador, que recebeu ao longo das décadas inúmeras contribuições da população LGBT. Verdadeiros ícones do rock eram/são gays, lésbicas, bissexuais e transexuais.
Escrever sobre música é um desafio para mim. É uma área onde gente muito qualificada e especializada costuma fazer resenhas e análises. Definitivamente não é minha zona de conforto. Eu estaria mais à vontade descrevendo uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados do que falando sobre um show um gênero musical.
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Então tenham em mente que este texto não passa de um bocado de pitacos e sensações de um apreciador de alguns estilos de rock e artistas. É sobretudo um desabafo sobre como certas referências marcaram a minha vida e me ensinaram que não há nada de errado em ser gay
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Meu primeiro contato com o rock foi ainda na infância. Quando eu ia para a casa do meu avô materno e ficava garimpando seus vinis, me divertindo com as capas. Um dia ouvi Raul Seixas e me apaixonei.
Depois descobri Legião Urbana na pré-adolescência. A voz e as letras de Renato Russo impactaram profundamente a sensibilidade do jovem menino gay que eu estava descobrindo ser no interior do Rio Grande do Sul. A internet era muito rudimentar naquela época. Então eu escutava os CDs (!) de Legião Urbana no Diskman (!!) e ia pausando as músicas frase por frase para anotar as letras em um caderno que eu conservada apenas para isso. Não tem como ser mais viado do que isso, né?
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A insinuação da bissexualidade em “Meninos e Meninas”, o mistério envolvendo a figura de João Roberto em “Dezesseis” e tantos outros sentimentos transmitidos pelas músicas de Renato Russo dialogavam muito com quem eu era – ou estava descobrindo ser – naquele momento
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Ao mesmo tempo descobri também Cazuza, que desatou uma potência revolucionária em minha vida. Lembro que estava no Ensino Médio na época e fui com a escola ver o filme do Cazuza no cinema. Saí mal disfarçando o choro, mas não podia comentar nada em casa. Falar sobre um roqueiro gay que morreu de Aids era um imenso tabu na minha família.
É incrível como uma coisa vai levando a outra. Com Cazuza veio Cássia Eller e toda sua malandragem. A força daquela mulher lésbica que desafiava os padrões que a sociedade impõe a tudo que é considerado feminino me impressionou.
Como vocês devem ter percebido, meu contato com o rock – e especificamente com o rock protagonizado por LGBTs – veio através da música brasileira. As influências internacionais chegaram um pouco depois, no final da adolescência. Mas vieram com tudo.
Embora não fosse homossexual, nem tivesse músicas de alguma forma relacionadas à população LGBT, Jim Morrison foi a grande paixão platônica da minha juventude. Sem dúvida The Doors é uma banda especial para mim. Só por isso incluo sua referência em um texto que deveria ser exclusivo para ícones do universo LGBT. Me perdoem, eu não resisto.
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Poderia citar ainda muitas outras influências do mundo do rock que me ajudaram a aceitar quem eu sou. David Bowie foi fundamental. Sua figura anárquica mais confundia do que explicava. Freddie Mercury era uma alegria para meus ouvidos
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Todas estas influências foram cruciais na minha formação pessoal e cultural e em meu processo de conhecimento sexual. É evidente que eu não bebi apenas dessas fontes. Afinal, não escutava apenas rock. O pop e a MPB também sempre estiveram muito presentes na minha vida. Mas era o rock que apelava a um instinto mais combativo. Era o rock que me induzia a acreditar que eu não precisava me desdobrar em explicações sobre quem eu era. Sobre por que eu era. Sobre até quando eu iria ser. E por isso eu serei sempre grato.
Foto: Cazuza e seu amigo Kiki, nos anos 1980 / Imagem dos arquivos de Tavinho Paes.
