Quem espera, através das imagens de Z – A Cidade Perdida, chegar à Amazônia e ver o verde exuberante exaltado plano a plano estará pisando em falso. Não é só uma questão de diferença estética. Prescinde uma experiência de conexão, de imaginação e, claro, também de interesse visual. O filme de James Gray (o seu sexto) parte da terra e nela se detém, dela se energiza e busca todos os caminhos para a sua exploração visual a partir deste espaço maravilhoso que é o mundo. Logo percebemos que não há planos aéreos característicos do filme de guerra e de exploração e descoberta: estamos no nível da terra o tempo inteiro. Não sabemos, junto com o protagonista, o que há para descobrir. A aventura é, portanto, substancialmente outra.
Cineasta até aqui conectado ao espaço urbano nova iorquino (Fuga para Odessa, Caminho sem Volta, Os Donos da Noite, Amantes e Era Uma Vez em Nova York), geograficamente muito determinado, Gray vai encontrar na Amazônia brasileira as suas obsessões. No início do século passado, o explorador britânico Percy Fawcett é convocado a viajar a uma região amazônica localizada na fronteira entre a Bolívia e o Brasil. Há interesse, da parte do governo, em explorar a região. Ao chegar lá, Fawcett se nutre de outra seiva: volta convicto de ter chegado muito próximo de descobrir uma antiga cidade local, que ele chama de Z, mas que ele não tocou. Ele precisa regressar a sua odisseia.
Na Amazônia, o que trazem os europeus liderados por Fawcett, em busca da cidade perdida, é uma câmera fotográfica e os materiais de medição e mapeamento territorial. É o espaço a descobrir para dar-lhe uma forma e uma existência vivida; ele já existe na imaginação (assim como o cinema existia na imaginação dos pioneiros muito antes da tecnologia torná-lo possível, como defendia André Bazin) e vai sempre existir enquanto nos interessarmos por seus mistérios, pelo que lhe é intocável senão pelo pensamento abstrato.
Gray tem lá seus desejos e os transforma em imagens: as pretende suntuosas em sua materialidade, em sua textura e investe, por isso, na expressividade de cada plano e nas transições entre eles. A síncope elíptica de seus cortes nos transporta com absoluta fluidez para a próxima aventura – a mesma sensibilidade nos entrega coisas que só os personagens podem saber, o que Gray nos mostra sem pestanejar: para saber é preciso imaginar. Essa montagem nos coloca sempre a um passo do abismo. Não lembro de filme recente a convocar tão profundamente o espectador a uma experiência de imersão como este filme. Gray tem amor pela emoção, alcançada, é claro, com a beleza de sua fotografia (Andrew Wyeth seria uma referência na pintura?) e com a integridade de sua narrativa, nessa espécie de filme-diário hiper fragmentado.
Como Indiana Jones, Fawcett estava em busca da cidade perdida quando Machu Pichu foi anunciada precisamente pelo explorador que viria, como dizem, a inspirar o filme de Steven Spielberg. A forma do anúncio, que Gray faz seus personagens apenas comentarem, é um exemplo de como “o contexto” se inscreve no filme: importante e lateral a um só tempo. Assim como o Atentado de Sarajevo (o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand), cujo episódio deflagraria, poucas semanas depois, o início da Primeira Guerra, é comentado sutilmente. Os detalhes menores cativam mais, os pequenos diálogos reforçam mais a unidade psicológica buscada peplo filme. O grande tema do cinema de James Gray continua sendo a família.
Em última instância, mesmo que inscrito no universo dos filmes de exploração e descoberta (o filme de aventura na selva), Gray mantém os seus interesses e os amplia. A distância, a chegada a um território diferente para tentar ganhar a vida, a exemplo de todos os seus filmes anteriores, cujos personagens eram essencialmente imigrantes, dá também a tônica em Z. Persiste o drama, insistem as dificuldades. Até o final, a trajetória de Fawcett institui o dilema clássico que remonta ao filme anterior do cineasta e que modela a sobriedade de seu drama: não há condenações peremptórias em sua obra, mas penetração psicológica.
Resgatado de Era Uma Vez em Nova York, e que, como este, contém um split screen dentro dele a dividir a tela, as temporalidades, os sonhos, a esperança, enfim, o plano final de Z é coerente com as imagens anteriores e as ilumina. Que tenha inscrito o seu desfecho assim, em aberto, em continuidade, em exercício de descoberta, é certamente um sinal dessa reflexão, desse acordo com a história das imagens, que Gray muito bem conhece. Nos dois casos, além da proximidade de localização no tempo, seus personagens alimentam esperanças de descobrir e encontrar, noutro local, um sentido e uma forma para as suas vidas. No filme anterior, no âmbito mais preciso das individualidades dos imigrantes; neste, num contexto em que, embora mantido o ponto de vista do explorador, a sua aventura se pretende histórica, portanto épica.
Na longa tradição do romance de expedição, tal qual um Robinson Crusoe e um Robert Scott, Fawcett tem o seu espírito idealista, como muitos homens que se lançaram ao mar e não mais regressaram, generosamente filmado por Gray. Alma de lugar nenhum, Fawcett escreve seu destino na eternidade, como memória e imaginação, como história e mitologia.
The Lost City of Z, James Gray, EUA, 2017. Com Charlie Hunnam, Sienna Miller, Tom Holland, Robert Pattinson.
