Enquanto acompanhamos, sem norte, o lamaçal acachapante da nossa política (não só a nossa), de minha parte resta algum refúgio mental nos filmes. Não que isso implique facilidades ou conforto. Ao nos movermos por entre imagens, também nos perdemos nelas – talvez em consequência delas, por elas.
Passei a última semana assistindo os documentários que o filme Five Came Back (produzido pela Netflix e narrado por Meryl Streep) menciona, realizados por grandes cineastas americanos como propaganda governamental da guerra: John Ford, Frank Capra, George Stevens, William Wyler e John Huston. O documentário, dirigido por Laurent Bouzereau, em três episódios, pune o espectador com o modo Netflix de narrar o mundo, rigorosamente quadrado e superficial (as falas dos contemporâneos Steven Spielberg e Francis Ford Coppola, por exemplo, são meramente publicitárias). Mas o interessante é, após ver o filme de Bouzereau, encarar a maratona dos trabalhos que ele cita (que a Netflix incluiu em seu catálogo).
Já havia visto os filmes de Capra e Wyler, mas não os outros. Artilharia pesada, os filmes se inserem no aparato formal da guerra, sua estrutura e sua técnica. No conjunto, representam e oferecem ampla visão sobre a formação dos discursos, das narrativas e, claro, do olhar de cada cineasta sobre os objetos que filmam: a morte, a destruição, a História em luta. É sabido que, em regimes fechados ou abertos, o Estado geralmente fez uso do cinema como propaganda. Até mesmo “propaganda” é um termo que pode soar vago a luz de leituras mais sofisticadas sobre os efeitos políticos de um filme e sua relação com os espectadores. Mas deixamos esse debate para outro momento.
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Se a guerra merece ser filmada, se há coisas que são representáveis ou irrepresentáveis, a estas preocupações os filmes não se apegaram. A propaganda anti-nazi passava por filmar as atrocidades cometidas pelos nazistas (dezenas de campos de concentração, isto é, campos de extermínio); ou pelos italianos e japoneses. O filme de George Stevens, Nazi Concentration Camps, por exemplo, é muito duro: vai aos campos filmar os corpos soterrados, os resgates, as missões do exército americano. Há uma preocupação, documental por excelência (estamos nos anos 1940, momento enérgico para a tradição realista no cinema), em captar a realidade tal como ela se apresenta. Para entender Hollywood, temos que ir ao encontro de suas imagens mais contraditórias.
Não sei se resumo bem, mas a hipótese de Five Came Back, construída a partir dos filmes que menciona, é que ao filmar os dispositivos de destruição de vidas que desembocaram nas duas Grandes Guerras, o que os cineastas estavam fazendo era participar simbólica e operacionalmente dos conflitos, ajudando a construir o seu imaginário, a formular as suas narrativas centrais.
