Falar sobre suicídio é algo extremamente delicado. Não sou um profissional capacitado para lidar com este tipo de situação. Não quero escrever cartilhas ou dar lições. Quero falar sobre experiência e acolhimento. Em tempos de correntes perversas nas redes sociais e seriados que dialogam – ainda que de forma problemática – com o tema, acredito ser oportuno jogar luzes sobre um dos grupos que mais sofrem com isso.
Jovens homossexuais fazem parte de grupo de risco
Não precisamos de pesquisas para saber que os jovens LGBTs estão muito mais suscetíveis a cometer suicídio do que jovens heterossexuais e cisgêneros. Mas não custa nada lembrar. Um estudo de 1998[1], com mais de 4 mil estudantes do estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, verificou que a taxa de tentativas de suicídio era de 35,3% em jovens homossexuais e 9,9% em alunos heterossexuais. Outra pesquisa[2], da mesma época, ouviu jovens de uma escola pública de Minnesota, constatando que 28,1% dos estudantes gays e bissexuais já tentaram tirar a própria vida, contra 4,2% de seus colegas heterossexuais.
Um estudo mais recente, da Universidade de Columbia, entrevistou 32 mil alunos de escolas públicas nos Estados Unidos, entre 13 e 17 anos. Os resultados foram alarmantes: os jovens LGBTs têm uma tendência ao suicídio cinco vezes maior que os heterossexuais.
“O ambiente escolar, para mim, sempre foi uma máquina de moer carne de viado (sic)”
Números que demonstram uma realidade cruel. Já fui um jovem homossexual com muitos conflitos e passei por poucas e boas. Na verdade, por muitas e nem tão boas assim. O ambiente escolar, para mim, sempre foi uma máquina de moer carne de viado. Um lugar onde as crianças e os adolescentes reproduzem todos os preconceitos que aprendem em suas famílias, muitas vezes através de “piadas” e “brincadeiras”.
Como se isso não fosse o bastante, ainda há um completo despreparo das direções e orientações pedagógicas para lidar com a diversidade. Para estender a mão a quem precisa de acolhimento. Pode ser que muita coisa tenha mudado desde os meus tempos de colégio. Pode ser, também, que as condições concretas da minha realidade tenham sido mais duras. Afinal de contas, a experiência de um aluno de escola pública no interior do Rio Grande do Sul, como foi o meu caso, não é a mesma de um estudante de uma Capital. Mas o preconceito não conhece fronteiras. Pode ser mais escrachado em uma região e mais velado em outra, mas está em todos os lugares.
A escola como local de acolhimento
As escolas deveriam ser um refúgio para os jovens LGBTs, que na maioria dos casos enfrentam uma opressão diária em suas próprias famílias. O meu único refúgio era a biblioteca, longe do convívio com os outros alunos. Por “convívio”, entenda-se: bullying, perseguição e agressões. E não estou nem falando da adolescência. Quando uma criança na terceira série implora à sua mãe para trocar de colégio por bullying homofóbico, sabemos que o sistema está falido.
Felizmente, na juventude, tive contato virtual com ONGs e entidades que lutam por nossos direitos. Entendi que não havia nada de errado comigo e que o problema era o preconceito. Mas muitos não têm esta sorte ou esta possibilidade de acesso a informações e de esclarecimento. A escola, especialmente a escola pública e pretensamente laica, deveria cumprir este papel. O papel de informar, educar para a diversidade, combater condutas opressivas por um viés pedagógico, acolher vítimas de violências praticadas dentro de seus muros e iniciar um processo positivo de mudança na conduta de agressores.
Como disse no início, não sou especialista e não tenho a receita para que isso aconteça. Mas tenho algumas pistas. Uma mudança positiva certamente passa pela inclusão de disciplinas relacionadas à diversidade sexual e de gênero nas licenciaturas que formam nossos professores e pedagogos. E na inclusão deste tema nos próprios currículos escolares – na contramão de tudo que vimos nos últimos anos no Brasil, quando um conservadorismo assassino inventou um inimigo imaginário chamado “ideologia de gênero” e retirou este debate dos planos municipais de educação do país inteiro.
Centro de Valorização da Vida – a ajuda está a um telefonema de distância
Se você está lendo este texto e precisa de ajuda, procure o Centro de Valorização da Vida mais próximo. O CVV está espalhado em diversas cidades brasileiras e atende 24 horas de forma gratuita também pelo telefone. Em Porto Alegre, o número é 184.
Site do CVV: http://www.cvv.org.br/
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[1]GAROFALO, R. et al. The Association between health risk behaviors and sexual orientation among a school-based sample of adolescents. Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois, US, v. 101, p. 895-902, 1998.
[2]REMAFEDI, G. et al. The relationship between suicide risk and sexual orientation: results of a population-based study. American Journal of Public Health, Birmingham, AL, v. 88, n. 1, p. 57-60, 1998.
Foto: Francesca Woodman
