Pedro Henrique Gomes

Crítica – Rastro de Maldade

Pedro Henrique Gomes
28 de abril de 2017

A passagem da tranquilidade ao caos é o elemento detonador do conflito. Quando a esposa de um habitante (combalido) é levada por uma tribo de canibais, o xerife da cidade (Kurt Russell) mobiliza um pequeno grupo em busca de resgatá-la. Os personagens são cansados, de falas arrastadas, alguns impacientes, outros já andam com idade avançada ou estão debilitados de algum modo – e não há muitos deles. A missão não será fácil. Na tradição do gênero, nunca é.

Filme que passou em branco nos cinemas (chegou aqui diretamente em streaming), Rastro de Maldade segue a cartilha clássica do western e busca a renovar, embora essa renovação não seja sempre fluida e bem organizada, se escorando e dependendo, por vezes demais, dos códigos do gênero. A violência que mostra, desde o primeiro plano, não é novidade no faroeste, embora o cineasta Craig Zahler, neste que é o seu primeiro filme como diretor, tenha ambições um tanto mais literais ao filmar corpos sendo partidos ao meio a base de machadadas. É um universo que proporciona essa liberdade, este o do faroeste: o deserto montanhoso e isolado, o silêncio do vento e a sensação de justiça e preservação da calmaria local.

O filme já inicia partindo desse rompimento do sossego do vilarejo. Roubos, mortes e sequestros acontecem (desconfiam de índios). Mas são poucos os espaços que existem no filme, sendo a ação concentrada a uma prisão, duas ou três casas e a trilha rumo ao resgate. A concisão do espaço resulta em tensão ao longo do tempo, pois o filme captura bem os ambientes e os personagens. Mas mesmo que tente incluir elementos do mais puro cinema de horror para escapar das responsabilidades morais do gênero (pois o horror comporta mais as hipérboles do que o western), os seus personagens precisam responder aos códigos, precisam preencher as lacunas estruturais do roteiro e, sobretudo, devem morrer na hora certa.

Se cada filme é um tratado sobre o cinema e, embora seja dedicado na construção do tempo de cada sequência e na descrição do quanto é complicado tomar uma decisão (sempre é), o filme é certamente conservador ao insistir na vilania de “tribos”, bem e mal corporificados naquele que é incivilizado. A história do western foi erigida em torno de muitos valores que não possuem dimensão alguma no filme de Zahler, aparecendo enterrados na sua preocupação (justa) por criar um filme que pudesse transitar livremente entre gêneros. Mas o trânsito não se dá sem atropelamentos. A filiação ao gênero se dá mais pela via de um pastiche tarantinesco do que pela assimilação da própria história cinematográfica do western.

Bone Tomahawk, de S. Craig Zahler, EUA, 2015. Com Kurt Russell, Richard Jenkins, Matthew Fox, Patrick Wilson, Lili Simmons.