A semana que passou foi, talvez, uma das mais
enojantes que São Paulo viveu
.
É difícil ser mulher na cidade que nunca dorme, mas cochila lindamente quando o assunto é garantir às mulheres seu pleno direito. Explico. Domingo, terça e quarta-feira, três mulheres, em situações bem parecidas sofreram agressões sexuais no transporte. Uma, em um Uber. Outras duas, dentro de um ônibus na Avenida Paulista, maior símbolo da diversidade paulistana. Em um dos casos um homem ejaculou – sim, GOZOU – no pescoço de uma passageira. A notícia, por si só, já seria terrível. Um componente, porém, a torna terrivelmente irônica.
Os crimes aconteceram na mesma semana que o Tribunal de Justiça de São Paulo lançou uma campanha contra o assédio sexual no transporte público. A cabeça pensante desse movimento foi uma juíza, mulher, que no ano passado foi mantida refém por meia hora dentro do Fórum por um homem. Ele tinha audiência marcada por causa de agressões cometidas contra a esposa. A magistrada foi coberta com um produto inflamável e, de frente com o agressor, ouviu diversas vezes que seria queimada viva. Essa mulher juntou forças e, ao lado dos colegas homens, lançou a campanha, amplamente veiculada em rádio, TV’s e internet.
.
A cerimônia foi conduzida por homens, protegidos por seus ternos suados na tarde paulistana mais seca de 2017. Seca também ficou a garganta de quem esperava, naquela tarde, ao menos uma manifestação das protagonistas da campanha
.
No dia seguinte, mais uma vez, um homem ganhou as manchetes. O juiz que entendeu que o “ejaculador” da Paulista não cometeu crime e, sim, uma contravenção. O homem que gozou no pescoço da passageira, preso em flagrante, foi solto. O magistrado entendeu que, por estar sentada e não ter sido tocada pelo agressor, a vítima não sofreu “constrangimento mediante violência”, como diz o texto do artigo 213 do CP que tipifica o estupro. No momento dessa decisão, o agressor do segundo ônibus assinava um termo circunstanciado e era liberado de uma delegacia.
Se você, amigo, achou esse texto confuso e difícil de digerir, imagine as mulheres repórteres que, além de cobrirem esses casos, precisaram ouvir de colegas (em sua maioria homens) que:
.
“ah, mas ele não chegou a estuprar”
“ah, mas não chegou às vias de fato”
“ah, mas eles estão amparados pela lei”
“ah, mas não vale matéria só pra discutir, temos que ter dados concretos”
.
Imaginem como é, diariamente, tentar convencer que ser mulher, por si só, já é pauta.
